Cânones do Concílio de Gangra.
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
Os historiadores não podem determinar com exatidão o ano em que se reuniu o Concílio de Gangra. As datas que se dizem são: desde o ano 340 até 376. Foi convocado em Gangra, cidade principal de Paflagonia, contra o agir de Evstatios, Bispo de Sebastia e seus seguidores. O Concílio foi presidido pelo Bispo Eusébio de Nicodemia e participaram dele 13 bispos. Além dos 21 cânones, se conservou a epístola do Concílio de Gangra, que não se incluiu no Livro dos Cânones, e na qual os pais do concílio explicam as razões que fizeram imprescindível sua convocação: Evstatios e seus seguidores condenavam o matrimônio e ensinavam que as pessoas casadas não se salvariam. Os discípulos de Evstatios vestiam roupas especiais e jejuavam até nos domingos. Em geral, com esta falsa piedade, se manifestavam contra toda a ordem eclesiástica e sua forma de vida.
1. Aquele que censura o matrimônio e despreza ou censura à mulher que dorme com seu marido, apesar de ser fiel e piedosa, considerando que não poderá entrar no Reino, que seja anatematizado.
Ver Cânones Apostólicos 5 e 51; VI Concílio Ecumênico 13; Gangra 4, 9, 10 e 14.
2. Aquele que reprova a quem ingere carne com fé e piedade (salvo que ingira sangue, ou carne oferecida aos ídolos ou de animal estrangulado), considerando que não tem esperança por causa de dita ingestão, que seja anatematizado.
Ver Cânones Apostólicos 51 e 53; Ancira 14; São Basílio o Grande 86.
3. Aquele que, sob pretexto de uma falsa devoção, ensina a um servo a desprezar a seu senhor, a deixar seu serviço e não atendê-lo com diligência e toda honra, que seja anatematizado.
Ver Cânon Apostólico 82.
4. Aquele que considera que um presbítero casado não deve comungar da Oblação se oficiou a Liturgia, que seja anatematizado.
Ver Cânon Apostólico 5; I Concílio Ecumênico 3; VI Concílio Ecumênico 13; Gangra 1, 9 e 10.
5. Aquele que livremente ensine a desprezar a casa de Deus e as sinaxis (reuniões) que ali ocorrem, que seja anatematizado.
Este cânon foi promulgado contra a seita dos evstatianos, que negavam a necessidade de ter casas para a oração. Ver Gangra 20; Sardenha 11.
6. Aquele que conduz reuniões especiais fora do templo, e que despreze a Igreja querendo cumprir as funções da mesma sem contar com a ajuda de um presbítero autorizado pelo bispo, que seja anatematizado.
Este cânon também foi promulgado contra a seita dos evstatianos que organizavam reuniões de oração com presbíteros não casados eleitos por eles mesmos, sem submeterem-se à autoridade de um bispo. Suas reuniões podem ser consideradas dentro do que São Basílio o Grande define como congregação arbitrária (cânon 1). Ver Cânon Apostólico 31; II Concílio Ecumênico 6; IV Concílio Ecumênico 18; VI Concílio Ecumênico 31 e 34; Antioquia 2 e 5; Cartago 10 e 11; II de Constantinopla 13, 14 e 15.
7. Aquele que desejar receber ou repartir os frutos oferecidos à igreja fora dela sem a autorização do bispo ou daquele a quem foram encomendados ditos frutos, e não desejar actuar segundo sua vontade, que seja anatematizado.
Ver Cânon Apostólico 38 com sua exegese e regras paralelas. O presente cânon confirma o princípio segundo ao qual toda a vida administrativa da Igreja deve estar regida também pelo bispo. Estar contra sua vontade constitue um pecado.
8. Se alguém entrega ou recebe os frutos oferecidos sem o consentimento do bispo ou da pessoa encarregada da beneficência, que sejam anatematizados ambos, quem entrega e quem recebe.
Ver explicação do cânon anterior.
9. Aquele que permanece virgem ou se abstém, separando-se do matrimônio por desprezo e não por causa da bondade e santidade da castidade, que seja anatematizado.
Ver Cânones Apostólicos 5 e 51 com suas explicações e regras paralelas.
10. Se quem escolheu uma vida de castidade pelo Senhor se exaltar por sobre os casados, que seja anatematizado.
Ver explicação no cânon anterior.
11. Aquele que desprezar a quem celebra os ágapes pela fé e a quem convocam a seus irmãos em honra ao Senhor e não desejar reunir-se com os convidados por considerá-lo abjeto, que seja anatematizado.
Aqui não se faz referência aos ágapes da fé mencionados nos cânones 27 e 28 do Concílio de Laodicéia, senão aos ágapes constituídos em nome do Senhor. Eles eram obras de beneficência, mas os evstatianos condenavam tais ágapes e proibiam participar deles.
12. Se algum homem veste um cobertor áspero por um suposto falso ascetismo, e aduzindo receber retidão através disto, condena a quem com devoção veste roupas de seda e utiliza a vestimenta comum e que é aprovada pelo costume, que seja anatematizado.
Pelo visto se deve considerar que as "roupas de seda" utilizadas "com devoção" são as vestimentas sacerdotais, já que imediatamente se menciona que essas mesmas pessoas "utilizam a vestimenta comum e que é aprovada pelo costume". Este cânon também está dirigido contra os evstatianos e suas tendências protestantes. Ver VI Concílio Ecumênico 27 e VII Concílio Ecumênico 16.
13. Se alguma mulher, por um suposto falso ascetismo, muda sua vestimenta e veste roupas de homem em lugar da vestimenta feminina acostumada, que seja anatematizada.
Ver VI Concílio Ecumênico 62.
14. Se alguma mulher abandona o seu esposo e deseja separar-se por desprezo do matrimônio, que seja anatematizada.
Ver Gangra 1 e regras paralelas.
15. Aquele que abandonar os seus filhos e não os alimentar nem a eles se aproximar na medida de suas possibilidades pela correspondente devoção e não se ocupar deles sob pretexto de ascetismo, que seja anatematizado.
Este cânon também está dirigido contra os evstatianos que ensinavam que os pais devem abandonar os seus filhos para entregarem-se à vida ascética. Ver Cartago 44.
16. Aqueles filhos que sob pretexto de devoção abandonar os seus pais, especialmente se estes são devotos, e não os demonstrarem a devida honra, que sejam anatematizados. Mas que cumpram com a ortodoxia ante tudo.
Tanto como os pais devem cuidar de seus filhos por devoção, também os filhos estão obrigados a ocuparem-se dos pais e honrá-los, ainda no caso de que os pais sejam hereges. Só se os filhos se encontrarem na situação real de decidir a quem deve obedecer, ou seja, à Igreja ou aos pais, se estes exigem deles algo contrário à Ortodoxia, então devem preferir conservar a Verdadeira Fé. Ver cânones 17, 18 e 19.
17. Se alguma mulher por falso ascetismo cortar o cabelo que Deus a deu para recordar-lhe sua submissão, que seja anatematizada por transgredir o mandamento da obediência.
As mulheres não devem cortar seus cabelos como o indica o Santo Apóstolo Paulo, em sinal de sua submissão (I Coríntios 3 e seguintes). Os evstatianos negavam o matrimônio e incitavam às mulheres a abandonar os seus maridos em nome de um ascetismo mal entendido, e em sinal de sua independência, as permitiam cortar seu cabelo.
18. Aquele que por falso ascetismo jejua aos domingos, que seja anatematizado.
Ver Cânon Apostólico 64 com suas explicações e regras paralelas.
19. Aquele asceta que meramente por orgulho, sem ter nenhuma necessidade corporal não cumpre os jejuns estabelecidos para ser cumprido por todos e guardados pela Igreja, e além do mais se encontra em seu são juízo, que seja anatematizado.
Os evstatianos renegavam os jejuns por orgulho, considerando que já haviam chegado à perfeição e não necessitavam arrependerem-se. Ver Cânon Apostólico 69 e regras paralelas.
20. Aquele que com desprezo condena as reuniões celebradas em honra aos mártires e as liturgias que ali se oficiam e sua comemoração, tudo isto por uma disposição orgulhosa, que seja anatematizado.
Ver Gangra 5.
21. Escrevemos isto, não para por limites a quem deseja levar uma vida ascética na Igreja de Deus e segundo as Escrituras, senão para aqueles que tomam o ascetismo como motivo de orgulho, desprezando aos que levam uma vida simples e introduzem inovações contrárias às Escrituras e às regras eclesiásticas. Desta maneira, honramos a castidade que vai unida à humildade; aceitamos com agrado a temperança cumprida com honra e piedade; aprovamos a separação do mundano realizado por humildade; também honramos a convivência matrimonial honesta; e não desprezamos a riqueza unida à verdade e beneficência; louvamos a simplicidade e frugalidade de vestimentas utilizadas somente a fim de proteger o corpo, também que nos separamos das suaves e delicadas roupas. Honramos as casas de Deus e aceitamos com agrado as reuniões celebradas ali por serem santas e benéficas, não limitamos a piedade aos lugares senão que honramos todo lugar erigido em nome de Deus; aceitamos também as congregações na igreja de Deus para benefício de todos; e felicitamos a irmandade que brinda assistência aos pobres através da Igreja segundo a tradição. De maneira concisa, desejamos que se realize na Igreja tudo o que recebemos das Sagradas Escrituras e a tradição apostólica.
O cânon sintetiza todos os cânones anteriores, promulgados contra os ensinamentos dos evstatianos.