quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

27. A Controvérsia Cristológica.

27. A Controvérsia Cristológica.




Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



I. O Nestorianismo.

1. Para poder explicar a impecabilidade do Redentor e a unidade em Cristo, Apolinário de Laodicéia (+ 390) acreditou que tinha que acentuar o menos possível a humanidade de Jesus; de este modo chegou a negar a plenitude da natureza humana em Cristo; ele e seus discípulos viram no Logos divino (não uma alma humana) o imediato princípio vivificante de Jesus.

Esta doutrina havia sido condenada em Constantinopla no ano 381. Como resultado desta condenação eclesiástica e das disputas trinitárias ficou claramente estabelecido que Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem.

2. Se planteava a questão do modo como ambas as naturezas completas se unem em Jesus Cristo para constituir a unidade de Deus-homem.

Nas controvérsias cristológicas, pois, não se trata de determinar se em Cristo há duas naturezas, senão de saber como estão unidas; mas concretamente: como tem que entender a união da segunda pessoa divina, o Logos, com o homem psico-físico Jesus de Nazaré. É neste problema donde se centram todos os esforços. E o perigo consiste em acentuar unilateralmente bem o elemento divino, bem o elemento humano de Jesus Cristo.

3. A teologia de Antioquia e a de Alexandria deram respectivamente duas respostas básicamente diferentes. Para julgar retamente as distintas opiniões e suas correspondentes condenações, tem que ter presente que a terminologia era todavia muito imprecisa e só com o tempo foi pouco a pouco esclarecendo-se (natureza, pessoa, essência, hipóstasis).

a) A escola de Antioquia parte da autonomia e a integridade da natureza humana; para salvar este princípio mantém claramente separadas ambas as naturezas. Por isso ensina que não estão intrínsecamente unidas, senão só extrínsecamente, à maneira de duas peças de madeira apertadas uma contra a outra até haver um contacto perfeito, mas permanecendo intactas entre si. Isto significava que os atributos do Logos não podiam predicar-se do homem Jesus de Nazaré.

Mas com esta interpretação perigava a unidade essencial do Redentor e até a mesma redenção; pois assim não cabe uma verdadeira encarnação do Logos, senão que o Logos simplesmente habita em um homem, entre homem e Deus só há uma unidade moral. Assistimos aqui a um exagero da plena humanidade de Cristo frente aos apolinaristas, que precisamente a negavam ou comprometiam. E a conseqüência resultou inevitável: Jesus Cristo consta de duas pessoas, da segunda pessoa divina e do homem, Jesus. Tal foi a teoria de Teodoro de Mopsuestia de Antioquia (+ 429).

b) Esta doutrina teve grande importância na história da Igreja, ao ser mantida por seu discípulo Nestório de Antioquia, patriarca de Constantinopla no ano 428 (+ 451 como exilado no deserto egípcio), que em suas pregações deduziu dela com todo rigor que Maria não podia ser chamada Mãe de Deus.

4. Em troca, a teologia alexandrina seguiu o caminho inverso, evitando assim a unilateralidade da escola de Antioquia. Partiu do fato tanto da plena humanidade de Jesus como de sua condição divino-humana. Ensinou a autêntica união de ambas naturezas em uma pessoa, sem mistura alguma, destacando que a união era física e real. Esta teoria esteve principalmente representada pelo patriarca São Cirilo de Alexandria (+ 444).

Depois de que o Papa Celestino, a pedido de São Cirilo, havia condenado já no ano 430 a doutrina de Nestório em um sínodo romano, Teodósio II convocou, a pedido do próprio Nestório, um sínodo geral em Éfeso para o ano 431. Ali foi Nestório excluído da Igreja, do sacerdócio e de toda dignidade eclesiástica. Maria foi proclamada Mãe de Deus.

Desgraçadamente, São Cirilo, patriarca de Alexandria, procedeu com certa impaciência na abertura do concílio. Ele e o bispo de Éfeso com seus bispos não esperaram a chegada do patriarca de Constantinopla com seus sufragâneos. Assim, depois da chegada deste, se organizou uma espécie de contra-concílio, na qual se revogou a condenação de Nestório, condenando, em troca, a São Cirilo. Mas quando chegaram os legados do papa foram outra vez confirmadas as primeiras sentenças, com a aprovação do imperador.

Todas estas complicações chegaram inclusive a gerar manifestações tumultuosas, que nos permitem entrever o ambiente de tensão e hostilidade que reinava entre os partidos e as Igrejas.

II. O Monofisismo.

1. Exagerando na doutrina da união real das duas naturezas na única pessoa de Jesus Cristo, o eminente monge Eutiquios (+ 451), enérgico contraditor do nestorianismo, e o Patriarca Dióscoros de Alexandria (+ 454) chegaram a pensar (em um sentido muito próximo ao de Apolinário) que a união das duas naturezas é tão íntima que não só garantia a unidade da pessoa de Cristo, senão que faz das duas uma só natureza. E como precisamente se tratava de assegurar a redenção, o que pregaram foi a unidade da natureza divina: monofisismo; a natureza humana está absorvida na divina.

a) Esta heresia foi combatida no Ocidente e no Oriente. Mas precisamente aqui se evidenciou a complexidade das forças contrapostas que entravam na luta. Se produziu uma desordenada e confusa mistura de fervor em defesa das decisões de Éfeso (ou também de medo ante o mínimo indício de tudo quanto pudera significar desacato a elas), de arrogância político-eclesiástica e de intrigas cortesãs. O excessivo zelo teológico se manifesta acaso com a máxima claridade no mencionado patriarca Dióscoro de Alexandria, sucessor de São Cirilo, o herói do Concílio de Éfeso.

O mais complicado do caso é entender como algumas forças por completo irreligiosas tiveram suficiente influência para fazer proclamar de uma forma ou outra, as doutrinas e condenar o contrário, marcando sua respectiva ação no governo da Igreja. Cresceu a oposição entre Antioquia e Alexandria e o mesmo entre a ascendente Nova Roma (Constantinopla) e Alexandria.

Diferentes grupos, depois de uma primeira condenação da doutrina monofisita, a fizeram sair vitoriosa em um sínodo em Constantinopla (448) e novamente em um concílio convocado pelo imperador, de tendências monofisitas, celebrado em Éfeso (449) sob a presidência do patriarca Dióscoros; nele teve ameaças, privação de direito de voto e pressões morais; os legados do Papa Leão I foram rejeitados como presidentes (e nem sequer se permitiu ler sua epístola dogmática): o mesmo Leão I o qualificou como o "sínodo dos ladrões," condenando-o.

b) A morte do imperador facilitou substancialmente a decisiva resolução dogmática. Sua irmã Pulquéria, convertida em imperatriz, junto com seu esposo Marciano, pôs fim ao problema da corte e assim pode convocar o Concílio de Calcedônia no ano 451; é certo que nele participaram quase exclusivamente bispos orientais, mas os delegados do papa ocuparam a presidência e foram os primeiros a falarem e os primeiros a firmarem. Se leu e aclamou com entusiasmo a carta que o Papa Leão havia dirigido no ano 449 ao patriarca de Constantinopla ("Pedro falou pela boca de Leão"). Não faltaram protestos. Mas a carta do Papa Leão se impôs. Se proclamou "um Senhor com duas naturezas (substantiae) em uma pessoa, sem mistura nem separação." Dióscoros foi deposto e exiliado.

c) Dado que Nestório havia minimizado a divinidade de Jesus, o mais fácil era que os monofisitas tomassem como maldição nestoriana qualquer atenuação de sua excessiva insistência no divino. E assim, efectivamente, reagiram os monofisitas de Alexandria. O povo e os monges vindos do deserto até protestaram furiosamente, e em um desses tumultos, no ano 457, foi morto o Patriarca Protérios junto com seus partidários. Também na Palestina, com o apoio da imperatriz Eudoxia, se impuseram os monges insurgentes, até que o exercito sufocou cruelmente seu poderio.

2. Contudo, o monofisismo foi a heresia mais forte e mais popular da Antigüidade cristã. Isto se deve também a motivos muito concretos de caráter político ou político-eclesiástico, ou seja, a mudança de ordem hierárquica (vigente até então no Oriente) em favor da residência imperial, exaltada agora com a Nova Roma, com o que ficava rebaixada a posição hierárquica de Alexandria. Assim, sucedeu que Alexandria, junto com a Igreja do Egito (com poucas exceções), rejeitou Calcedônia. Os monofisitas conseguiram apoderarem-se de quase todas as sedes episcopais nos patriarcados de Alexandria e Antioquia (Igreja Siríaca). (N.T. Aqui surge a Igreja Copta atualmente tendo como Patriarca Sua Santidade Shenouda e Igreja Siríaca tendo como Patriarca Sua Santidade Ignatios Zaka I o primeiro vivendo no Cairo, antiga Alexandria e o segundo vivendo em Damasco na Síria).

Por certo que os patriarcas heréticos tiveram que abandonar suas sedes sob o imperador Leão I (457-474), mas depois da sua morte foram repostos (pelo usurpador Basílisco, 475-476): a luta se transferiu ao plano político.

O imperador Zenón (474-491) propôs uma fórmula de compromisso, que retrocedia ao estado de coisas anterior a Calcedônia: o chamado Henotikón (482); só teriam validade os decretos de Éfeso, Constantinopla e Nicéia (Calcedônia, portanto, era indiretamente condenada). Mas quando o Papa Félix II (483-492) decretou a excomunhão e destituição do Patriarca Acácio, conselheiro do imperador, sobreveio a ruptura completa entre a Igreja do Oriente e a do Ocidente, o chamado cisma acaciano (484-519), durante o qual o monofisismo se difundiu com grande pujança por todo o Oriente. O imperador Justino restabeleceu a paz no ano 519 (chegando-se então a um solene reconhecimento do primado romano por parte dos bispos gregos), mas o monofisismo não deixou de ser um perigo para a unidade do império. O imperador Justiniano tentou com dois editos 23 e com o quinto Concílio ecumênico de Constantinopla (553) reconciliar aos monofisitas com a Igreja imperial. Em vão: algumas Igrejas territoriais monofisitas (e nestorianas) do Oriente permaneceram em aberta oposição a Bizâncio. Tampouco no Ocidente foi reconhecido por todos o decreto conciliar do ano 553. Durante certo tempo, as províncias eclesiásticas de Milão e de Aquiléia estiveram separadas da sede romana.

Isto significa que, pouco a pouco, o monofisismo se impôs na maior parte das igrejas do Império bizantino, no entanto que por sua parte o nestorianismo se difundiu na Pérsia, na Índia e Arábia setentrional, chegando até à Sibéria.

3. Nem sequer a memória de um especialista pode reter os detalhes da luta teológico-dogmática posterior a Calcedônia. Mas isto também tem um motivo interno de consolo: e é que entre ambas as partes contundentes existiam uma estreita afinidade de propósitos. É certo que suas fórmulas contraditórias implicavam nada menos que uma ameaça mortal para a verdadeira Fé, e por isso era preciso encontrar a fórmula correcta e ater-se a ela. Tudo isto, sem embargo, não fazia desaparecer o íntimo parentesco do que as partes hostis realmente pretendiam, como o demonstra a ulterior evolução da doutrina das Igrejas cismáticas até nossos dias; o nestorianismo não logrou sequer encontrar um nome que expressasse seus conteúdos concretos.

Nesta circunstância é mais importante compreender a modalidade da luta. Junto com a defesa coerente da doutrina ortodoxa se dão inseguranças, compromissos e reservas mentais; há destituições e reposições de patriarcas sucessivos em Alexandria e Constantinopla, preeminência do bispo de Éfeso, engano dos legados papais, reação de todo o Oriente contra a condenação de Acácios por Roma e, em conseqüência, uma nova aproximação entre os bispos orientais apesar de suas notáveis divergências mútuas; forte intervenção dos imperadores monofisitas (por exemplo, a deposição de um patriarca ortodoxo de Constantinopla), oscilações dos patriarcas, provável ao grosseiro compromisso (com Macedônio [496-511], precisamente frente ao Papa Gelásio), novas e cautelosas tomadas de contato com Roma e retorno à postura intransigente de Gelásio sob o Papa Símaco. O comum acordo oficial conseguido finalmente entre os patriarcas de Constantinopla, Antioquia e Jerusalém sobre a doutrina ortodoxa e a comunhão de todos estes com Roma foram novamente perturbados por perigosas ações monofisitas, apoiadas pela corte 24.

Em resumo: uma imensa confusão e oposição de pessoas (imperadores, patriarcas, bispos, monges e massas populares em pé de guerra), idéias, interesses e intrigas, rivalidades e violências de todo tipo (religiosa, eclesiástica, política e humana, demasiado humano), a maioria das vezes insuficientemente freadas pelo caráter comum cristão; umas maquinações mais bem rasteiras, até terrivelmente fratricidas, e tudo isso —repitamos uma vez mais— diretamente em busca da única verdade salvadora!

4. O monofisismo se tem conservado até hoje em diversos grupos de Igrejas da Síria (siríacos de Antioquia), Armênia, Índia, e na Igreja Copta e Etíope. Mas sua evolução demonstra que o que o monofisismo efetivamente desejava defender está assegurado na Igreja Católica: certas partes se tem unido a ela; e naquelas que todavia permanecem separadas, as diferenças se reduzem em última instância a questões de terminologia.



O Monotelismo.

1. Embora a resolução do Concílio de Calcedônia só ficou sem solucionar uma questão: como se pode explicar a impecabilidade ou ausência de pecado em Cristo, sendo como é um homem verdadeiro?

Sérgio, patriarca de Constantinopla (610-658), quiz solucionar a dificuldade dizendo que Cristo só teve uma vontade, a divino-humana: monotelismo. Esta opinião contradizia a doutrina da integridade das duas naturezas; foi condenada no sexto Concílio ecumênico de Constantinopla (680-681), ao qual proclamou a existência de duas vontades, definindo-o com as mesmas expressões que o calcedonense havia empregado para as duas naturezas. A vontade humana de Cristo segue sempre a divina.

2. Nesta última fase das controvérsias teve o Papa Honório (625-638) uma desafortunada actuação. Talvez não bem informado pelo patriarca, e sem ouvir aos adversários deste, tomou uma decisão que foi expressamente condenada no sexto concílio ecumênico: "Honório, o anterior bispo da velha Roma," foi condenado como culpável de heresia. A condenação foi repetida pelo Papa Leão II (682-683) e por posteriores concílios e incluída por Gregório II (715-731) no juramento da coroação dos papas. Por certo que o sexto concílio ecumênico havia aduzido a razão da condenação, fazendo depender uma da outra, a saber: porque Honório havia seguido em tudo a heresia dos monotelitas. E precisamente isto não corresponde à verdade, como demonstram seus dois escritos ao patriarca Sérgio. Honório, certamente, empregou a expressão herética dos monotelitas, recusando a expressão ortodoxa, mas o que ele realmente rejeitou foi, de forma pouco menos que inequívoca, uma vontade humana em Jesus que pudera contradizer à divina. Com razão, pois, o Papa Leão II declarou justificada a condenação no sentido preciso de que Honório não cumpriu seu dever, ao não haver enfrentado a heresia com suficiente clareza.

A questão "Honório" nos proporciona um conhecimento importante: nos ensina a diferenciar entre a fórmula teológica empregada e a intenção religiosa que com ela se quer expressar. (Para informação complementar, cf. § 28. Para a questão "linguagem e doutrina," cf. 25:7).

23 O Papa Virgilio (537-555), nesta ocasião, adotou ao princípio uma postura pouco clara.

24 Esta foi a situação até as lutas contra os papas no século VIII (§ 35). Quando, finalmente, a ortodoxia de Calcedônia triunfou inclusive em Bizâncio, a rivalidade contra Roma se havia feito tão forte e ambas as partes haviam evoluído tão independentemente, que a ruptura do ano 1054 pode ir crescendo organicamente.





Seguidores

Arquivo do blog

Quem sou eu

Minha foto
Attikis, Greece
Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com