quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

33. Invasão dos Povos Germânicos.

33. Invasão dos Povos Germânicos.




Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



1. Com o nome de "invasão dos povos germânicos" se entendem os ataques ao Império Romano das tribos estabelecidas a este do Reno e ao norte do Danúbio. Ordinariamente, a data de seu começo se fixa no ano 375; nesse ano sofreram os ostrogodos uma esmagadora derrota infligida pelos hunos, vendo-se obrigados a abandonar seus lugares de assento no atual sul da Rússia. Para o Império Romano termina a invasão dos bárbaros no ano 568, quando os longobardos aparecem na Itália setentrional.

Os povos germânicos da época das invasões são subdivididos em:

1) Germanos orientais (godos, burgúndios, vândalos, longobardos), que emigram em massa desde o noroeste ao sudoeste- e atravessando Macedônia, Grécia, Itália setentrional, Gália e Espanha, penetram no norte da África, ocupando finalmente toda Itália (ostrogodos; Teodorico em Ravena).

2) Germanos ocidentais (os logo chamados alemães ou teutonos), francos, bávaros, alemães, turíngios, anglos e saxões 42. Estas tribos se dispersaram lentamente mais além de suas fronteiras, mas sem perder contacto com suas terras de origem, ocupando a Gália, Récia, o Nórico e também a Bretanha.

O avanço dos germanos orientais sobre tudo se efetuou em diversas ondas de povos radicalmente diferentes, que continuamente se empurravam e hostilizavam entre si, de modo que em brevíssimo tempo certos territórios se viram repetidas vezes invadidos, conquistados e saqueados por um povo diferente, tendo que estar a seu serviço 43.

2. Porém o Império Romano do Oriente — apesar de ser o primeiro objetivo dos germanos — não foi apenas pisada pelos invasores bárbaros (exceção feita da península balcânica, no ano 396), senão que também empurrou aos germanos para o Ocidente (só muito mais tarde chegaria a padecer uma invasão que, por sua parte, também superaria ou destruiria o elemento grego até então predominante) 44, o Império Romano do Ocidente teve que agüentar toda sua fúria, ficando destruído (e com isto, pouco a pouco, todo o mundo antigo). Os germanos invasores, que por longo tempo haviam sido em boa parte, não só mercenários, senão também como comandantes do exército e como empregados, os melhores sustentáculos do império (os chefes germânicos Estilicão, Arbogasto, Odoacro, verdadeiros regentes frente aos últimos imperadores fantoches) e em um amplo processo de infiltração haviam começado a fundirem-se com os povos românicos, destruíram a estrutura das províncias e a administração do império.

Depois do ano 476, quando Odoacro depôs a Rômulo Augusto, último imperador romano do Ocidente, surgiram no sul e sudoeste da Europa reinos étnicos germânicos, primeiro dependentes nominalmente de Roma, logo cada vez mais independentes.

3. Aos romanos, habituados à ordem unitária do império, aquelas massas de bárbaros que pareciam estourar em massa, e não sem razão, fossem de devastadores sem medida. Nas cidades conquistadas do Reno e da Gália meridional os saques foram contínuos; os mortos se amontoavam aos milhares, inclusive o asilo nas igrejas nem sempre servia de proteção. As deportações e o mercado de escravos, donde se vendiam os prisioneiros em leilão público, estavam à ordem do dia. A luta destruidora se moveu desde as fronteiras até o interior do império.

Em resumo pode dizer-se que a "barbárie" foi estendendo-se progressivamente pelo centro de Europa e Itália. As contínuas guerras debilitaram a ordem e os costumes. Decaiu a vida espiritual, ao que se somou a extrema penúria material. Desgarradora soa a voz do Papa Agatão e de seu sínodo do ano 687 (contra os monotelitas), que se lamenta que não há tempo para aspirações culturais e que na pátria faz estragos diários a fúria de outros povos.

Porém, a invasão dos bárbaros não trouxe somente a devastação. Certas descrições, inclusive as de São Jerônimo (que por demais também estigmatiza a pouco heróica resistência de Roma), são exageros unilaterais. Os príncipes e os povos arianos nem sempre perseguiram aos cristãos ortodoxos.

Mas foi natural que as contínuas migrações dificultassem extraordinariamente o arraígamento da mensagem cristã. Ainda que boa parte da população nativa permaneceu em sua pátria, aquilo que então podia chamar-se pastoral ordinária entrou em um imenso e geral turbilhão de mudanças materiais, econômicas, morais, religiosas e culturais e, tal como se tem dito, teve que adaptar-se rapidamente às diferentes e sucessivas concepções da vida pública. Ainda que tenha que reconhecer que alguns prudentes soberanos germânicos, como o ariano Teodorico, apoiaram aos bispos, também tem que se admitir que as supracitadas dificuldades chegaram a pôr em perigo até as raízes.

O efeito final mais importante foi que se arruinou a antiga civilização cidadã, que fazia tempo estava em vias de decomposição (ante tudo, o cansaço da vida, o declínio da população). Neste processo de decomposição e reconstrução, que duraram séculos, a Europa perdeu grande parte de seu caráter antigo e adquiriu um aspecto "medieval." Surgiu o Ocidente. Em novas formas e com um conceito mais são da vida, a segurança e a esperança fizeram frente ao ceticismo. Desde um ponto de vista meramente biológico, do século VIII em diante se multiplicou tanto a descendência que os terrenos incultos, que na Antigüidade tardia estavam estendendo-se sem cessar, puderam em todas as partes serem novamente quebrados, ganhando assim novas terras de labor.

4. Em todas estas tormentas a Igreja foi ou seguiu sendo a salvadora da cultura e a consoladora dos pobres. O mesmo que Leão Magno em Roma, assim também São Severino, a fins do século V, e sem ter nenhum cargo eclesiástico, foi o protetor da população nativa da região da atual Salzburgo. Geralmente foram os bispos os que fizeram isto. Conseguiam e repartiam grão e assistiam aos abatidos.

A estes bispos que souberam permanecer em seus postos, temos que agradecer em grande parte o fato de que a tarefa de construção religioso-eclesiástica realizada antes da invasão pudera apesar de tudo, salvar-se e conservar-se nestes resíduos embrionários. Mas também é certo que a possibilidade de desempenhar semelhante função conservadora e salvadora se deveu a que eles mesmos, graças à elevação do cristianismo a religião do Estado e à aparição da Igreja imperial, com seus correspondentes privilégios, haviam chegado a ser algo mais que simples chefes espirituais. Haviam travado relações muito estreitas com o Estado e, em particular, se haviam convertido em experts executores da administração. O bispo era a primeira personalidade da civitas, da paróquia, ou seja, da diocese (uma prova: a liberação de um escravo decretada por ele na assembléia dos fiéis tinha força de lei).

5. Desde o ponto de vista religioso e eclesial, porém, o quadro da grande história continuou transportando durante os séculos VI e VII a marca do Império do Oriente. E isto, especialmente, depois de que Justiniano, combatendo com os ostrogodos da Itália e com os vândalos do norte da África, teve logrado outra vez, mais ou menos, a unidade do império. A vida da Igreja estatal bizantina, da Igreja Sírio-monofisita e da Igreja Copta do Egito superou amplamente a vida da Igreja ocidental em profundidade espiritual e religiosa (uma causa específica: o florescimento do monacato ali).

Esta força religioso-eclesiástica ficou plasmada até hoje, e de forma impressionante, nas maravilhosas igrejas de Ravena, na "fronteira" da civilização greco-romana 45.

6. No Ocidente a cultura foi salva precisamente pelos monges. Os monges não só guardaram os progressos da antiga agricultura; também guardaram os tesouros da cultura clássica mediante a leitura e transcrição de preciosos códices. Sem esta atividade dos mosteiros, a humanidade teria ficado na maior miséria espiritual. Mas desta "custódia" o primeiro que é preciso sublinhar energicamente é seu carácter não autônomo. Fazia séculos que a filosofia estava diminuindo a força criadora do pensamento; daí que neste tempo, em geral, se deixasse mão dos manuais e as traduções (inclusive a Santo Agostinho, em tudo sobre saliente, estava fechado o acesso aos originais gregos!). A consciência rezava: "Copiar! copiar! copiar!"(Aubin).

A esta época pertence também uma série de importantes transmissores da cultura antiga no Ocidente: Boécio (executado no ano 524 por suposto complô contra os godos), tradutor de Aristóteles e desafiador dos hereges; o douto Casiodoro, e (em Constantinopla) Prisciano, o gramático latino da Idade Média (primeira metade do século VI).

Até o ano 500 aparecem os escritos místicos neoplatônicos do Pseudo-Dionísio, falsamente considerado discípulo dos apóstolos (At. 17:34), aos quais, traduzidos ao latim, se converteram mais tarde em um dos fundamentos da teologia ocidental; sua influência é incalculável.

7. A diminuição do poder do imperador de Bizâncio sobre o Ocidente e o primeiro e deplorável cisma, derivado das controvérsias monofisitas, entre a Igreja ocidental e oriental nos anos 484-519 (o cisma acaciano) foram favoráveis à independência do papado. Porém houve muitas dificuldades a vencer. Os novos senhores do Ocidente eram arianos em sua totalidade. Existia uma funda e íntima oposição entre eles e os católicos romanos nativos, de modo que se fazia impossível uma colaboração autêntica e duradoura. O papa se encontrava entre duas forças: Bizâncio e os godos assentados na Itália (posteriormente os longobardos). Uns e outros ameaçavam sua existência, tanto na ordem econômica como no político-eclesiástico. Seu patriarcado ocidental, sofreu amputações no norte e no sul da Itália (pelo imperador Leão III, 717-741), ficou tão reduzido que o papa corria o perigo de converter-se em um bispo territorial longobardo. Não voltou a ser verdadeiramente livre até que, como veremos, iniciou relação com uma família e uma casa real germânica, completamente independente de Bizâncio e que haviam aceitado o cristianismo em sua forma ortodoxa: os francos. Seu rei, o cruel, ambicioso e ferocíssimo Clóvis, já se havia feito batizar em Reims por São Remígio junto com os grandes de seu reino no dia da Natividade, no ano 496 (só vinte anos depois da queda do último imperador romano, o ano 476). A isto contribuiu sua mulher, Santa Clotilde, uma princesa católica da Burgúndia 46, e alguns bispos ortodoxos da Gália.

8. O mundo europeu se encontrava em um processo de transição. A antiga unidade do império como tal e sua união com a Igreja imperial já não existia. A situação do Ocidente se caracterizava por uma forte contraposição de inumeráveis forças ainda não perfiladas. Se formaria uma nova unidade significativa? A possibilidade existia: 1) por parte do cristianismo e da Igreja do Ocidente, e 2) porque uma potência política unificadora de primeiro posto — os francos — se havia aliado com eles. Os dois pólos em que estava centrada a vida inteira, oscilando entre os quais se criou a nova forma de vida, foram o papado e os francos. O fato de que na organização do Império Franco se conservasse em grande parte o antigo sistema romano dos bispados, salvaguardando com isto a continuidade da administração eclesiástica, foi, junto com a língua latina da liturgia, um dos mais inestimáveis fatores de união entre a Antigüidade e a Idade Média.

As listas são as forças que criarão e configurarão a nova época, a Idade Média do Ocidente: os bispos, o papado, a heresia teológico-religiosa de Santo Agostinho, o monacato (em uma palavra: a Igreja) e os povos germânicos. Destes elementos unidos nascerá a cristandade medieval. O futuro corresponde à aliança da Igreja com os novos povos.

42 Recentemente se discutem sobre a legitimidade desta distinção entre germanos orientais e ocidentais.

43 Por exemplo, Roma se viu ameaçada no transcurso do século V três vezes; no ano 410 a saquearam os visigodos de Alarico; no ano 451, o Papa Leão I logrou evitar o saque dos hunos; no ano 455 invadiram a cidade eterna os vândalos de Genserico.

A invasão dos povos germânicos é só uma parte de um deslocamento mais amplo, que compreende mais de dois mil anos (mil anos antes de Cristo [transmigração dórica] — mil anos depois de Cristo [últimos movimentos dos vikings]).

44 Nos séculos VII e VIII explodiram os eslavos sérvios e croatas; transitoriamente, o povo nômade asiático dos ávaros nos séculos VI e VII, e mais tarde os búlgaros turcos nos séculos VIII e IX e os selêucidas no século XI.

45 Por exemplo, São Vital (construção da planta octogonal, com galeria interna e tribunas) foi começada depois do ano 521 por Teodorico, e com a conquista dos bizantinos, no ano 547, foi consagrada a São Vital, quase como sinal de triunfo sobre os godos arianos.

46 Os burgundios foi o primeiro povo dos germanos arianos que abraçaram em massa a Fé ortodoxa (517).



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Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com