segunda-feira, 28 de novembro de 2011

23. O Cristianismo como Religião do Império.

23. O Cristianismo como Religião do Império.



Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



1. Constantino havia aberto ao cristianismo o caminho da vida pública, pondo-o em situação de converter-se em religião do império. Tanto por seu íntimo impulso missionário como pelo apoio dos imperadores, a Igreja foi pouco a pouco realizando esta tarefa. Uma a uma foi convertendo a todas as regiões do império a sua gozosa mensagem; progressivamente foi transformando suas organizações em uma estrutura conclusa de considerável importância política. Os imperadores, tanto por suas idéias cristãs como por prudência política, aprovaram e favoreceram esta evolução, por um lado apartando-se do paganismo e restando-lhe seu apoio moral e material e por outro os prestando cada vez mais ao cristianismo e à Igreja; o cristianismo passou de ser uma religião equiparada ao paganismo a ser a única reconhecida pelo Estado.

2. Com isto, ao jovem cristianismo se o apresentava uma nova tarefa: surgiu o problema de como levar a cabo as tarefas políticas segundo a doutrina de Cristo.

a) Como este problema não havia existido para a comunidade primitiva (o Estado e seus dirigentes eram pagãos), as reflexões da ética e a ordem políticas não podiam ter mais que um escasso eco nos escritos do Novo Testamento (cf. Mt 22:21; Rom 13:1). Mas agora havia que dar uma resposta sobre que ideal teria que pregar aos cristãos, que podiam ou deviam actuar politicamente e que forma deviam revestir as relações destes homens com os bispos, sucessores dos apóstolos: como tem que coordenarem dentro da Igreja os bispos e o imperador?

b) Dado que os imperadores haviam conseguido e garantiam a liberdade da Igreja, dado que além do mais concentrava em uma só mão toda forma de determinação política, e que o episcopado andava a pouco desunido, se encontravam de primeiras em uma situação vantajosa; por parte disto, e em especial frente aos sucessores de Pedro, os bispos de Roma, podiam remeter-se ao fato de que toda autoridade procede de Deus (Rom 13:1) e, por conseguinte, se deve obedecer aos imperadores. Por isso, e por cima da antiga tradição pagã, consideraram como competência sua, por ordem nos assuntos eclesiásticos, sempre em colaboração com o episcopado, mas preferentemente segundo a vontade do imperador. A este respeito, logo se fez referência ao povo de Deus do Antigo Testamento e à atuação dos reis nele 10.

c) Com isto não pode em modo algum excluir suas múltiplas intervenções, mas pode esclarecer esse convencimento fundamental sem ao qual não é possível compreender a história da Igreja nos primórdios da Antigüidade (nem na Idade Média): os soberanos cristãos (e os estadistas, comparando com o hoje), enquanto dirigentes políticos da cristandade tinham uma missão histórico-salvífica. Seu objetivo, que devem cumprir em directa responsabilidade diante de Deus, é a realização da virtude cardinal da justiça, que na Escritura se menciona mais de oitocentas vezes. Neste tempo o rei justo (rex justus) é o soberano querido por Deus, que se bem deve respeitar o âmbito do sacerdócio, ostenta não obstante uma alta dignidade na Igreja.

Obviamente, portanto, os imperadores se arrogaram, por exemplo, um amplo poder sobre os concílios ou pronunciaram a palavra decisiva nas controvérsias doutrinais da época. Sua palavra —palavra de seculares— tinha uma notável importância espiritual.

3. Esta evolução, acompanhada de uma crescente repressão legal, e em parte também ilegal, do paganismo, a completou Justiniano (527-565). Nele, que pela última vez se uniu o império do Oriente e do Ocidente (então [547?] já São Bento havia terminado seus dias), marca o ponto culminante do cesaropapismo. Justiniano, o imperador do direito, declara aos não batizados fora da lei e aos hereges inábeis para desempenhar qualquer cargo. Com isto está já basicamente expressada a concepção medieval de que só o ortodoxo é um cidadão completo, e que todo ataque à Fé ou à Igreja significa por si mesmo um ataque ao Estado. Esta idéia se foi pouco a pouco condensando na extensa legislação contra os hereges (Codex Theodosianus, 428). Entre os teólogos foi Santo Agostinho acima de todos, o representante mais influente da idéia de que o Estado não só tem a obrigação de proteger à Igreja, senão também o dever de obrigar aos outros, os hereges, a que aceitem a verdade (interpretando exageradamente Lc 14:23). Também Santo Ambrósio, a quem em outro contexto temos conhecido em seu aspecto contemporizador, propunha a destruição das sinagogas, porque "não pode haver nenhum lugar donde Cristo seja negado" (cf. também § 21).

10 Estes argumentos, com suas múltiplas variações, inversões e confusões, tiveram uma enorme importância para a Idade Média. Teremos ocasião de voltar a pouco sobre este assunto ao falar da interminável luta entre o papado e o império, começando desde Carlos Magno e passando pelas seguintes gerações de imperadores até a evolução da investidura divina do príncipe nos nascentes estados nacionalistas.



22. O Imperador Juliano e a Reação Pagã.

22. O Imperador Juliano e a Reação Pagã.



Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto

1. O paganismo não estava morto. Tradições antiqüíssimas não desaparecem senão pouco a pouco. Especialmente nesses núcleos sociais aos quais tais tradições soam estarem mais arraigadas, as antigas famílias nobres, ainda estavam aderidas à velha religião, sob a qual havia surgido a glória do império. Não se deve duvidar que sob Teodósios (+ 395), que constituiu a “nova Fé” na religião do Estado (§ 23), ainda era pagão a metade dos súditos do império.

Também determinadas profissões foram centros de resistência à cristianização. Para os sacerdotes e os mestres superiores (também os artistas) estavam em jogo suas existências. Justamente aqui demonstrou o novo Estado (em parte também por necessidade) uma singular falta de lógica, que, por outro lado, trouxe conseqüências vantajosas para o patrimônio cultural da Idade Média: as mais célebres escolas superiores e a quase total instrução das classes mais elevadas foram deixadas em mãos de mestres pagãos 8 e durante certo tempo continuaram sendo previstos os cargos sacerdotais pagãos. O esplendor sem igual das obras culturais do paganismo seguiu exercendo sua maravilhosa força de atração.

Do mesmo modo que a eventual perseguição sangrenta do paganismo contribuía por outra parte a provocar uma resistência mais tenaz, assim também as funestas separações ocasionadas pelas heresias no cristianismo (§§ 26 e 27) diminuíram por outro lado sua força interna e seu prestígio externo.

2. O paganismo recebeu no século III, especialmente entre as pessoas cultas, novo esplendor, renovada força de atração e um verdadeiro robustecimento interior por meio do neoplatonismo 9. Se trata de uma filosofia religiosa idealista ou também de uma religião filosófica, a última grande criação do gênio grego. Reinterpretando e aprofundando a antiga religião popular pagã, se logrou outra vez um renascimento real do paganismo. Seu maior êxito em concreto foi ganhar o imperador Juliano (também Santo Agostinho passou por este sistema).

3 Juliano o Apóstata (361-363). A brutalidade homicida que passada como imagem por Constantino o Grande, foi herdada por seus três filhos. Arrastados pelo medo a seus competidores, igual que seu pai, eliminaram a seus parentes varões, exceto seus dois primos mais jovens, Galo e seu irmão Juliano. Quando Constâncio foi soberano absoluto, mandou matar também a Galo, ao qual ele mesmo primeiramente havia nomeado César, entretanto que a Juliano, por instancias da imperatriz, foi lhe perdoado a vida e pode continuar sua atividade no serviço monástico eclesiástico, donde se o havia confinado. É compreensível que esta obrigada profissão o fizesse não só antipática, senão até odiosa à religião à qual havia se unido, a religião professada pelo assassino de seu pai. E, vice-versa, pode parecer-lhe mais simpática a religião pagã que aquela que o havia perseguido. Além que, o traição dos bispos arianos da corte, assim como a desunião dos cristãos, não causou-lhe boa impressão.

Sem embargo, a causa principal de seu distanciamento do cristianismo (que pelo mais só era conhecido na viciada forma do arianismo) foi o impulso pagão de seus mestres. Em particular o neoplatônico Máximo despertou seu entusiasmo, sendo ainda estudante, da antiga filosofia. Aos vinte e dois anos abjurou secretamente o cristianismo e se fez iniciar nos mistérios eleusinos. Chegou sua hora quando Constâncio o fez César e o enviou à Gália. Ali fez coisas tão sobresalientes que suas tropas o proclamaram Augusto. A luta contra o odiado Constâncio se fez com isto inevitável. A morte deste, ocorrida antes do desenlace bélico, converteu a Juliano em soberano absoluto.

Juliano, sendo imperador, apostatou também publicamente. Aderiu ao paganismo e se propôs seriamente a fazê-lo renascer.

4. Juliano era bastante inteligente para não provocar uma perseguição sangrenta, já que os mártires só tiveram favorecido à Igreja. Sem embargo, chegou a haver martírios, devido ao furor da plebe pagã, ao capricho de certos governadores e à ira do imperador contra cristãos particulares. Não menos vituperável é o modo ambíguo, insidioso e mesquinho com que Juliano tratou de conseguir forçadamente dos cristãos a adoração externa dos deuses só a pretexto do culto devido ao imperador.

Privou ao cristianismo e à Igreja de todos os privilégios de que haviam gozado desde Constantino e que, evidentemente, tanto haviam favorecido seu desenvolvimento. Também tratou de debilitar espiritualmente a Igreja, proibindo que nas escolas cristãs se ensinassem o patrimônio cultural do paganismo. Promoveu tudo o que pudera fazer-lhe controlar a Igreja, a seitas cristãs, fosse ao judaísmo ou ao paganismo.

Fixou sua atenção principal em revivificar o paganismo. Seu trabalho foi neste sentido um reconhecimento indireto da superioridade do cristianismo, ao mesmo tempo que demonstra a seriedade moral com que se dedicou a dita tarefa. O que ele perseguia era um paganismo cristianizado. Nos templos pagãos, trouxe sua reabertura, devia oficiar um sacerdote com altas exigências de pureza, piedade, instrução e amor ao próximo; o culto devia restaurar-se com grande pompa e ser mais religioso e moralmente fecundo mediante a pregação, e outro tanto devia cuidar da caridade. A ordem dada por Juliano de reconstruir o templo de Jerusalém e promover o judaísmo em geral foi uma tentativa consciente de reduzir ad absurdum as profecias cristãs. Ele mesmo participava todos os dias no sacrifício pagão e tratou também de ativar seus planos como orador e escritor.

5. O ensaio de Juliano não passou de ser um episódio. Já no ano 363, apenas cumpridos os trinta e dois anos, entrou em guerra contra os persas. Ninguém é capaz de imaginar as imensas dificuldades que acarretaram ao cristianismo as "magníficas qualidades" do Apóstata, como disse Santo Agostinho. Mas sua aparição é sumamente instructiva para conhecer a situação histórica da Igreja naquele tempo. Nos permite em um só golpe de vista descobrir claramente os perigos que sob aquelas condições religioso-culturais cercavam a Igreja.

Inclusive no caso de Juliano, nada nos autoriza a ver nele somente o errôneo e negativo e passar por alto o positivo. Como César das Gálias, levantou novamente esta província com medidas prudentes e justas, e como imperador implantou a austeridade, a justiça e a objetividade na administração e legislação do império. Que apesar destes valores e destas ao menos parcialmente acertadas medidas não logra-se impor seu critério nem sufocar ao cristianismo, demonstra muito melhor a força da Igreja de Cristo que se esta houvera tido que resistir a um novo Nero.

8 No ano 529 foi fechada a escola de filosofia de Atenas, dirigida por pagãos; precisamente no mesmo ano em que se fundou Monte Cassino.

9 Seu fundador foi o alexandrino Ammonio Sacas (+ 242); a doutrina foi sistematizada por seu discípulo Plotino (+ 269), de quem, por sua vez, foi discípulo Porfírios (§ 14). O último representante foi Proclo (+ 485), ao qual, como fonte do chamado São Dionísios Areopagita, exerceu indireta e anonimamente uma enorme influência na formulação teológico medieval da doutrina cristã.



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