quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

31. Os Pobres e o Culto Litúrgico.

31. Os Pobres e o Culto Litúrgico.




Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



1. A liberdade da Igreja, sua crescente influência no Estado e na vida pública e o rápido crescimento da importância social dos bispos faziam agora possíveis a ampliação dos cuidados caritativos (§ 19) e sua prática regular. Os bens da Igreja eram em parte bens dos pobres. Tanto os seculares como o clero deviam entregar para os pobres o que não necessitassem para viver. Também agora o centro da cáritas era o bispo, ao qual, como nos informa, por exemplo, São Basílio de Cesaréia 36, dirigia múltiplas atividades assistenciais. A desigualdade econômica seguia considerando-se coisa óbvia, mas com um significado mais profundo: se via como conseqüência do pecado (Santo Agostinho!), e de diversos modos se tratava de suavizar suas asperezas.

Partindo desta postura, a Igreja não suprimiu do golpe, por exemplo, a escravidão. A pregação de Jesus não se havia dirigido em absoluto para um comunismo econômico. Agora bem: os escravos deixaram de ser considerados como coisas. Sua alma imortal, redimida por Jesus, tinha o mesmo valor que a de seu senhor, e a lei do amor, da justiça e da mansidão também impunha ao senhor deveres para com seus subordinados. O trabalho e o ofício ou profissão foram geralmente enobrecidos e apoiados pela fé de que também era um meio para conseguir a perfeição cristã.

Assim como a caridade da Igreja de Roma já havia sido célebre nos primeiros tempos do cristianismo, também ali se organizou muito logo e sistematicamente a ajuda aos necessitados (listas de pobres). Na época de São João Crisóstomo, a Igreja de Antioquia tinha cuidado de média de 10.000 pobres e a de Constantinopla de 7.700. A isto se somava o cuidado dos enjeitados, dos que se encontravam em perigo moral, dos perseguidos (direito de asilo nas igrejas), dos prisioneiros (também resgate, especialmente durante a invasão dos bárbaros). Fundaram (primeiramente no Oriente) albergues de forasteiros e hospitais (aos quais os pagãos invejavam aos cristãos: o imperador Juliano). Assim foi aparecendo pouco a pouco (junto com a construção de igrejas) o verdadeiro rosto da cidade cristã.

O estado florescente da vida religiosa se manifestou plenamente nos grandes santos teólogos do século IV, nos mártires sob o reinado de Juliano, na Pérsia (donde no ano 342 Shahpur II empreendeu uma sangrenta perseguição na qual, pereceram 16.000 cristãos, entre eles quase todos os bispos) e no florescimento do monacato (§ 32).

2. Estas breves indicações fazem necessária uma reflexão geral. Como só sucedeu entre os homens, tampouco então se alcançou plenamente nem em todas as partes o ideal cristão (ao qual em tantas coisas ficou devedor inclusive o cristianismo primitivo). Com o rápido crescimento do número dos cristãos tampouco se podia evitar que a cristianização resultasse excessivamente superficial, sem chegar a ser uma sincera conversão. Freqüentemente encontramos queixas (muito insistentes em Orígenes, muito ásperas em Jerônimo) contra este cristianismo aparente. Mas a figura e a vida de Jesus e os modelos de vida cristã heróica dos tempos antigos (mártires, confessores), assim como as novas formas de vida recoleta (ermitãos, monges), fizeram que o ideal seguisse mantendo-se presente e efetivo nas consciências. É este um fenômeno que encontraremos em todos os séculos da história da Igreja: a miséria moral do homem reaparece uma e outra vez, mas também o decisivamente novo; a lei do amor e da perfeição estabelecida pela revelação (isto é, por Deus) constitui uma força indestrutível e inesgotável de edificação.

3. Uma vez que a Igreja ficou em liberdade e como Igreja do império, como Igreja do augusto imperador, saiu à luz pública, também pode desenvolver-se o culto divino cristão, cada vez com maior grandiosidade. Aumentou a solenidade exterior, servindo de modelo o cerimonial da corte. Isto se fez notar principalmente na celebração da missa. À grande oração da oblação dos primeiros cristãos se adicionaram progressivamente novas leituras do Antigo e do Novo Testamento e novas cerimônias sagradas, até o ponto de resultar uma liturgia impressionante. Entre as leituras da Escritura se cantavam salmos. Santo Ambrósio foi o que introduziu este canto no Ocidente, compondo ele mesmo vários hinos, doze dos quais tem chegado até nós (cf. § 30). O texto da missa ainda não estava totalmente estabelecido; todavia o bispo (ou o sacerdote) celebrante o formulava livremente, dentro de um certo esquema. Este foi um dos motivos de que as orações (especialmente a ordem das mesmas) mudassem de uma igreja a outra. Daí que sua configuração não se pode entender no sentido de uma norma central, senão como conservação de uma tradição cristã assombrosamente unitária no Ocidente ou como expressão de um crescimento unitário.

O crescimento das comunidades e dos locais de reunião fez pouco a pouco necessário à fixação tanto da ordem como dos textos. Naturalmente, nos lugares de maior importância eclesial, nas sedes patriarcais, foi donde se tomaram as correspondentes disposições. No âmbito da liturgia grega, com suas múltiplas diferenças (Alexandria, Antioquia, Bizâncio), se desenvolveram liturgias particulares no Egito e na Síria, usando a própria língua nacional (e em parte com infiltrações heréticas). Quando o latim se impôs em Roma e no norte de África, se constituiu nestes lugares um campo litúrgico próprio, dentro do qual surgiram por sua vez distintas peculiaridades (rito romano — da cidade de Roma —, galo, espanhol antigo, depois o iro-céltico, galicano, milanês). Mais tarde ainda se impôs como norma para o Ocidente a forma romano-africana (fortemente influenciada por elementos germânicos a partir dos séculos VIII e IX).

Durante muito tempo se manteve o antigo costume judeu segundo ao qual os que oravam estavam de pé (esta forma piedosa de orar é conservada pelas Igrejas Ortodoxas do calendário Juliano, N.T. Mais preciso dois sínodos gregos e pelas Igreja Eslavas em sua maioria), tal como atesta todavia hoje o cânon da missa, na qual se pede para todos aqueles "que estejam de pé em torno" (circum-stantes).

Além da liturgia dominical, a partir do ano 350 aproximadamente, começa a haver o culto divino também nos dias feriais 37. Surge com ocasião nos dias estacionais e as festas dos mártires, mas ao princípio não foi celebrado por toda a comunidade. Pelo que parece, este costume se originou primeiramente no norte da África: Santo Agostinho, por exemplo, a recomenda para os tempos de perigo. Contudo, a regra dos beneditinos, por exemplo, demonstra (cap. 35) que no século VI não existia todavia o costume de celebrar missa diariamente nem mesmo nos mosteiros.

4. Ao princípio só havia um altar em cada igreja (como entre os gregos, que ainda não conhecem a missa privada). Até o século VI não havia vestimentas litúrgicas especiais. A partir do século V aparece a tonsura. Então se fez cada vez mais urgente o problema de uma regulamentação às novas vocações, assim como de todo o estilo de vida dos sacerdotes. Algumas vezes se fazia o máximo ênfase no trabalho manual para a própria manutenção, coisa que, com diverso significado, haveria de desempenhar tão grande papel no monacato beneditino. Mas também havia, como na Igreja primitiva (1Cor 9:13: "Quem serve ao altar, deve viver do altar") oferendas livres e quantidades em dinheiro (tanto na liturgia como fora dela), que serviam para a manutenção do clero. Naquelas igrejas particulares (numerosas já no século IV; veja Santo Agostinho) em que havia escolas de catequistas, também havia uma possibilidade, mais ou menos regular, de formação para os futuros sacerdotes.

A ordenação de bispos e sacerdotes estava rodeada de uma solenidade especial; disto dão testemunho as constituições apostólicas (até o ano 380) e os decretos de um Concílio de Cartago (398). Se concedeu maior valor à forma externa da pregação. Mestres da pregação cristã são os três "capadócios" (São Basílio "o Grande, São Gregório "o Teólogo" e São Gregório de Nissa), o mesmo que São João Crisóstomo, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Leão I. E seus sermões se fazem patente à herança da antiga cultura. A qual capacitou a estes homens para extrair da revelação um inesgotável tesouro de pensamentos cristãos, de sentimentos, orações e conselhos de diversos gêneros, e dar-lhes uma formulação válida. Ainda quando hoje algumas coisas referentes ao método e à exposição já não nos interessam nem atraem, contudo aquelas luzes da Igreja, vistas em seu conjunto, não tem sido nem muito menos superadas como anunciadores da boa nova.

É importante observar este crescimento e, com isto, a grande diferença existente entre o culto cristão primitivo (séculos I, II e ainda o III) e o da época pós-constantiniana e preguntar-se por suas causas. No primeiro período urgia a necessidade de distanciar-se do mundo pagão. Se no trabalho eclesiástico de então, aparte do impulso de difundir a boa nova, se pode admitir a existência de uma planificação, podemos afirmar que precisamente porque a Igreja se centrou sobre tudo em seu íntimo núcleo, por isso pôde vencer ao paganismo, por sua força de irradiação. No império pagão pôde ao sumo cristianizar em parte algumas idéias centrais de validade universal, como vimos na doutrina do logos spermatikós. A fins do século III, no largo período de paz, os cristãos se fizeram mais abertos ao mundo.

Quando se alcançou a liberdade externa para professar a Fé e reunir-se, a afluência à Igreja cresceu enormemente, se fez possível e pedagogicamente aconselhável tomar em consideração conceitos e costumes populares e símbolos religiosos muito difundidos e apropriá-los dando-os uma interpretação cristã: para tal adaptação (§ 5) se abriram novas possibilidades e novas tarefas. Por certo que com isto também surgiam novos perigos de reificação religiosa, especialmente de superstição, que nem sempre se puderam evitar.

5. Aumentaram as festas do Senhor com a da Ascensão (mencionada pela primeira vez no ano 325) e principalmente com a Natividade do Redentor (a celebração desta festa a 25 de dezembro está atestada em Roma desde o ano 330).

a) O culto dos mártires pôde também agora desenvolver-se livremente, chegando a seu máximo esplendor. Já em tempo das perseguições os bispos haviam confeccionado listas de mártires e confessores; até fins do século IV começa a aparecer o santoral cristão. Posteriormente se adicionou o culto a outras pessoas consideradas como santas, especialmente bispos. No Ocidente, o primeiro dia conhecido é o de São Martinho, bispo de Tours, morto no ano 397.

b) Grande incremento experimentou o culto da Virgem Maria, Mãe de Deus. A isto contribuiu o progressivo movimento ascético, que exaltava a glória da virgindade, e o solene decreto de Éfeso (contra Nestório). A Mãe de Deus é louvada em escritos, pregações e cantos. Como primeira igreja mariana se considera a de Éfeso, donde se celebrou o Concílio do ano 431; pouco depois foi consagrada em Roma a atual basílica de Santa Maria a Maior, e a estas seguiram em seguida muitas outras igrejas marianas, especialmente no Oriente.

c) Uma manifestação especial de piedade foram as peregrinações às tumbas dos mártires (especialmente em Roma e também no Egito) e na Palestina (a imperatriz Elena foi a primeira peregrina; uma célebre descrição desta peregrinatio procede de Etéria [Egéria] de Aquitânia no ano 383).

O motivo das peregrinações piedosas desempenha na história do cristianismo um papel muito determinante, difícil de valorizar. Jesus e seus apóstolos deram exemplo desta forma de pregação ambulante; levavam a boa nova e buscavam aos homens. Depois da liberação e já na Idade Média, ao lado deste vaguear ascético e missionário (missão iro-escocesa e anglo-saxônica; missão de ultramar), surgiu algo completamente novo, que já se pode vislumbrar nas viagens mencionadas (Elena, Etéria): se buscava o santo em determinados lugares; assim se configura a peregrinação no sentido medieval (§ 58).

6. Com a liberação da Igreja também se abriu livre caminho para a arte figurativa cristã. Se necessitava igrejas grandes. Rapidamente se construíram em grande número (patrocínio dos imperadores; templos dedicados aos mártires, igrejas de peregrinação, mais tarde fundação de mosteiros). Nelas pode desenvolver-se a força criadora do cristianismo nos mais variados campos artísticos: arquitetura (construções em forma de cruz grega, especialmente no Oriente, e basílicas em forma de cruz latina), arte de mosaico, talhas em marfim e em madeira. Os temas principais da ornamentação interior das igrejas eram: o paraíso com os quatro rios (da vida), O Bom Pastor e o cordeiro, a ressurreição de Lázaro. Também as tumbas (sarcófagos) apresentaram fecundos trabalhos.

O desenvolvimento da arte cristã vai estreitamente unido à postura da Igreja frente à cultura em geral. Agora se rejeitam as tendências rigoristas, predomina a afirmação dos conceitos antigos, mas isentos do elemento sensuais e pecaminosos. Que valor tenha o elemento puramente artístico destes fenômenos em uma perspectiva genuinamente eclesial (referente à expansão do reino de Deus) é um problema complicado que não pode resolver-se em poucas linhas. Em todo caso, prescindindo de representações particulares, é importante dizer que a Igreja anunciadora do evangelho deu a ordem iluminada pela beleza uma nova marca, constituindo-o à vez em marco da boa nova.

Na basílica cristã, o lugar destinado ao clero está separado do dos fiéis por umas cancelas, que, porém, não dividem o espaço e, evidentemente, fazem possível a todos a concelebração do único sacrifício. Para a leitura da epístola e do evangelho há púlpitos a propósito: os ambões.

36 Às portas de sua cidade episcopal, construiu um hospital, donde o mesmo praticou o cuidado dos enfermos.

37 Uma prática que se impôs antes no Ocidente que no Oriente.



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Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com