Cânones do Concílio de Ancira.
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
Este Concílio teve lugar no ano 314 na cidade de Ancira, capital de Galácia. Se poderia dizer que foi o primeiro concílio depois das perseguições de Maximiano. Participaram deste concílio só 18 bispos, mas representaram a quase toda Síria e Ásia Menor, presididos por Vitálios, bispo de Antioquia. Este concílio foi convocado por questões relacionadas com as perseguições que haviam finalizado recentemente. (25 cânones)
1. Com respeito aos presbíteros que ofereceram sacrifícios aos ídolos, mas que logo renovaram sua luta espiritual pela Fé, não por meio de nenhum artifício, senão verdadeiramente, sem haver feito nenhum preparativo ou acordo prévio para demonstrar que sofreram martírios que os foram infligidos falsamente, em aparência; foi decidido: que não sejam privados da honra de permanecerem sentados junto com os de sua classe, mas que não os seja permitido oferecer a Oblação, pronunciar homilias nem realizar nenhum acto sacerdotal em geral.
Este cânon completa o Cânon Apostólico 62 sobre os presbíteros que renegaram a Fé cristã durante as perseguições. Menciona a quem caíram, mas logo se arrependeram verdadeiramente de sua apostasia e o testemunharam suportando martírios pela confissão de sua Fé em Cristo. A eles é permitido usar as vestimentas sacerdotais e gozar a honra de permanecer sentados dentro do círculo dos sacerdotes, mas não os é permitido oficiar, pregar "nem realizar nenhum acto sacerdotal em geral". Ver I Concílio Ecumênico 10, 11; São Pedro de Alexandria 8, 10.
2. O mesmo se aplica com respeito aos diáconos que ofereceram sacrifícios aos ídolos, mas que logo renovaram sua luta espiritual pela Fé: que mantenham a honra obtida, mas que se abstenham de realizar todo serviço sagrado, de elevar o Pão e o Cálice e de pronunciar orações. Se o confere ao bispo o poder de outorgar-lhes mais ou de interromper-lhes se observa neles algum esforço ou humildade e mansidão.
Aquilo que o primeiro cânon dispõe com respeito aos sacerdotes, se repete aqui em relação com os diáconos. Mas já que a responsabilidade dos diáconos é menor por estar em seu serviço por debaixo dos sacerdotes, por isto o cânon 2 do Concílio de Ancira outorga ao bispo a possibilidade de demonstrar maior condescendência, permitindo-os conferir mais ou menos honras à discreção. Ver I Concílio Ecumênico 11, 12
3. Com respeito a quem foi preso, porém escapou de seus perseguidores, ou quem foi entrue por seus íntimos, ou privados de sua propriedade de alguma outra maneira, ou foram martirizados, ou encarcerados, mas que em todo tempo proclamaram que são cristãos; que foram torturados e nesses momentos seus torturadores os fizeram tomar objetos sacrificados aos ídolos pela força ou que foram obrigados a receber alimentos, mas que incessantemente confessaram que são cristãos e que logo em todo momento demonstraram sua aflição pelo sucedido com toda modéstia, por meio de seus ensinamentos e a humildade de sua vida – que não sejam excomungados já que permaneceram fora de todo pecado. Se foram excomungados por alguém por causa de maior precaução ou por ignorância, devem ser restituídos imediatamente à comunhão. Isto se aplica tanto aos membros do clero, como aos demais, ou seja, aos leigos. Também se analisou se os leigos que foram submetidos a esta violência, podem ser elevados ao posto sacerdotal e foi considerado correcto ordenar a tais pessoas já que não tem pecado, sempre que sue modo de vida anterior foi recto.
Este cânon explica que no devem ser castigados aqueles que escapam das perseguições. Ver Pedro de Alexandria 13.
4. Com respeito a quem ofereceu sacrifícios aos ídolos pela força, e mais ainda quem presenciou banquetes ante os ídolos e ao entrar o fizeram com espírito alegre, utilizaram vestidos mais luxuosos que de costume e participaram do banquete preparado com indiferença – decidimos: que permaneçam um ano entre os ouvintes das Escrituras, três anos entre os sucumbentes, entrem em comunhão para a oração durante dois anos, e só depois entrem em comunhão plena.
O grau de responsabilidade pela participação das oferendas aos ídolos e dos banquetes de sacrifício aos ídolos pela força se media nestes cânones segundo a disposição, alegre ou compungida, com a qual as pessoas se submetiam à força infringida sobre eles. Com respeito aos diferentes tipos de penitências de arrependimento ver nossa explicação ao cânon 11 do I Concílio Ecumênico e cânon 11 de São Gregório de Neocesaréia. Ver cânon 1 deste último.
5. Porém que quem entrou com vestimenta de duelo e ao recostar-se comeu chorando todo o tempo que permaneceu recostado se cumpriu três anos como sucumbentes, que sejam recebidos na comunidade, salvo a comunhão dos Santos Mistérios. Se não comeram, então uma vez transcorrido dois anos como sucumbentes, ao terceiro ano que entrem na comunidade, salvo a Comunhão, para receber a Comunhão plena uma vez cumpridos os três anos. Os bispos têm o poder, uma vez analisado o modo de conversão, de demonstrar misericórdia ou de agregar tempo de arrependimento. Que por sobre tudo se examine a vida anterior e posterior à tentação, e que segundo isto se decida a condescendência a aplicar.
O cânon anterior mencionava a aqueles que ofereceram sacrifícios aos ídolos, ainda que contra a sua vontade, mas com alegria fingida. O presente cânon é uma continuação daquele e fala daqueles que com sua disposição de desconsolo já demonstraram que foram forçados a oferecer sacrifícios aos ídolos, e estavam apenados por ele. Por essa causa sua penitência é mais leve. Os cânones paralelos a esta regra são os mesmos que os do cânon 4.
6. Com respeito àqueles que só ante as ameaças de tortura ou de privação de suas propriedades ou exílio duvidaram e realizaram imolações aos ídolos, e que até este momento não se arrependeram, e quem agora, ao tempo deste Concílio, se aproximou e pensou em converter-se, foi considerado correto: recebê-los como ouvintes das Escrituras até o grande dia da Páscoa, logo depois desse grande dia, que permaneçam três anos entre os sucumbentes, logo que sejam aceitos na comunidade por dois anos, sem a comunhão, e que desse modo cheguem à plena comunhão para que se cumpra uma penitência de seis anos. Para aqueles que foram recebidos em arrependimento antes deste Concílio, se deve considerar o começo dos seis anos desde o momento em que foram recebidos. Em caso de quem esteja em perigo e aproxima da morte por enfermidade ou outra causa, que seja recebido por condição. (se subentende que é a condição de que se caem com a vida. Devem cumprir o tempo de penitência segundo o cânon)
O presente cânon também se refere a quem ofereceu sacrifícios aos ídolos contra a sua vontade, mas que se arrependeram só depois de que foram informados de que o Concílio analisaria seu caso. Ver os mesmos cânones mencionados no cânon 4.
7. Com respeito aos que participaram de uma festa pagã em um lugar que pertence a estes últimos, mas que levaram e comeram seus próprios alimentos, foi considerado correcto admiti-los logo de que permaneçam dois anos entre os sucumbentes. Se os deve permitir a todos aproximar-se à comunhão dos Santos Mistérios? Essa questão a deve determinar o bispo, assim como também examinar o resto da vida de cada pessoa.
Ver as mesmas regras citadas ut supra.
8. Com respeito a quem tem oferecido sacrifícios aos ídolos uma segunda e terceira vez pela força, que permaneçam quatro anos entre os sucumbentes, dois anos em comum oração, à exceção da comunhão, e que sejam admitidos em plena comunhão ao sétimo ano.
Ver Concílio de Ancira 4 e seus paralelos.
9. Aqueles que não só tem apostatado, senão que também se tem levantado contra seus irmãos e os tem obrigado a renegar a Fé ou foram causa de tal violência: que permaneçam durante três anos entre os ouvintes das Escrituras, logo seis anos entre os sucumbentes, um ano mais em comunhão, à exceção da oblação (Santa Comunhão), de maneira que depois de haver cumprido uma década sejam recebidos em comunhão plena. Durante este tempo, que seja observado o resto de sua vida.
Ver I Concílio Ecumênico 11, 12, 13; Gregório de Neocesaréia 2; São Basílio o Grande 73, 81; S. Pedro de Alexandria 3; São Gregório de Nissa 2.
10. Aqueles que ao serem ordenados diáconos testemunharam e declararam que tem necessidade de contrair matrimônio e não podem continuar solteiros; que permaneçam em seu serviço depois do matrimônio, já que os foi permitido pelo bispo. Mas ao contrário, aqueles que ao serem ordenados guardaram silêncio a respeito e logo contraíram matrimônio, que sejam separados do diaconato.
Esta disposição do Concílio local é uma exceção ao cânon Apostólico 26. O VI Concílio Ecumênico em seu cânon 6, suspendeu esta exceção e confirmou que se deve cumprir o cânon Apostólico com toda exatidão.
11. Tem-se considerado melhor que as donzelas que estavam comprometidas e logo foram raptadas por outro homem, sejam retornadas ao homem com o qual estavam comprometidas, ainda se houverem sofrido violência da parte de seu raptor.
Ver notas ao cânon Apostólico 67 e o cânon 98 do VI Concílio Ecumênico. A regra 22 de São Basílio o Grande outorga ao comprometido a liberdade de aceitar ou não à noiva violada por seu raptor.
12. Tem-se decidido que as pessoas que tem oferecido sacrifícios aos ídolos antes do Batismo e logo receberam o sacramento, podem ser promovidas ao posto sacerdotal por haver lavado seu pecado.
Ver I Concílio Ecumênico 14; São Cirilo de Alexandria 5
13. Não corresponde que os corepíscopos ordenem presbíteros ou diáconos, e menos ainda podem ordenar a presbíteros da cidade sem a devida permissão do Bispo outorgado mediante as correspondentes cartas em cada diocese.
O Bispo Nicodemos encontra mais entendimento na versão deste cânon no Sintagma de Atenas e nos brinda sua tradução ao russo: "Os corepíscopos não podem ordenar presbíteros ou diáconos em outra região, e menos ainda aos presbíteros da cidade sem a autorização escrita do bispo correspondente". Os corepíscopos (bispos rurais) são nomeados pela primeira vez neste cânon. Eles apareceram a fins do século III. Sua situação era equivalente à dos actuais bispos vigários da Igreja Russa. Eles tinham a intenção de ampliar seus direitos e isto complicou a vida eclesial. O Concílio de Antioquia (do ano 341) emitiu uma regra especial – o cânon 10 – ao qual confirmava que os corepíscopos dependiam dos bispos diocesanos. O Concílio de Laodicéia, em seu cânon 57, anulou por completo a instituição dos corepíscopos, ainda que seguiram existindo em outras igrejas, nas quais com frequência abusavam de sua situação, como o demonstra o cânon 89 de São Basílio o Grande. Desde o século V, os corepíscopos são nomeados com menos frequência, e esse cargo desapareceu por completo com o tempo.
14. Aos membros do clero, sejam presbíteros ou diáconos, que se abstém da carne os ordenamos que a provem e logo, se o desejam, podem absterem-se dela. Se nem sequer desejam ingerir as verduras cozidas com a carne, e não se submetem ao presente cânon, que sejam destituídos de seu posto.
Ver a explicação aos cânones Apostólicos 51 e 53 e o cânon 2 do concílio de Gangra.
15. Se em ausência de seu bispo um presbítero toma objetos que pertence à igreja, esses objetos deverão ser restituídos. Estará ao juízo do bispo se deve reintegrar o preço pago por eles ou não, já que com freqüência ocorre que a ganância que se obtém do comprado são maiores que o preço pago.
A administração dos bens de uma diocese acéfala corresponde a seus presbíteros, como o indica os cânones 22 e 24 do IV Concílio Ecumênico e 35 do VI Concílio Ecumênico. O presente cânon se refere ao caso quando em lugar de salvaguardar esses bens, os presbíteros vendem parte deles. O Bispo Nicodemos chama a atenção sobre um detalhe importante. No Livro dos Cânones diz "os bens da Igreja", mas essa expressão não seria uma tradução estrictamente fiel do texto grego. Nesse idioma se faz referência a esse patrimônio com a expressão "to Kiriakon", que significa "do Senhor", do mesmo modo que no cânon Apostólico 38 diz "que pertence a Deus". Ver cânon Apostólico 38 e regras paralelas.
16. Com respeito a quem cometeu ou comete o pecado da zoofilía: todos aqueles que caíram nesta falta antes de cumprir 20 anos, que permaneçam 15 anos entre os sucumbentes e que logo se os permita participar da oração. Depois de transcorridos cinco anos nesse estado, que o seja permitido aproximar-se da comunhão dos Santos Mistérios. Durante o período que permanece entre os sucumbentes se deve examinar sua vida, e de acordo com isto que seja a eles demonstrada misericórdia. Quem viveu longo tempo nesse pecado, que seja retido mais tempo entre os sucumbentes. Porém aqueles que caíram nesse pecado logo depois de cumprir a idade indicada e tendo esposa, que permaneçam vinte e cinco anos entre os sucumbentes e logo que se os permita unir-se em oração. Uma vez transcorridos cinco anos em oração, que os seja permitido comungar.
Ver Ancira 17; São Basílio o Grande 7 e 63; São Gregório de Nissa 4.
17. A qualquer que comete o pecado da zoofilía ou é leproso ou, mais exatamente, tem contraído lepra, o santo Concílio tem ordenado que tais pessoas rezem com
os açoitados pelo clima.
A denominação "açoitado pelo clima" indica aqueles que não são permitidos entrar no templo, e devem rezar fora, seja sob a chuva ou açoitados pelo vento, ou aos endemoniados. Valsamón explica que aqui se denominam "açoitados pelo clima" aqueles que permanecem no átrio e escutam as Sagradas Escrituras dali. Se considera, mais propriamente, o umbral fora das portas do templo donde soprava o vento e os penitentes podiam sofrer frio.
18. Aqueles homens que foram ordenados bispos, mas não foram aceitos na diocese para a qual foram designados; se desejarem intrometerem-se em outras dioceses e perseguir aos ordenados ali, e levantar rebeliões contra eles; devem ser excomungados. Se desejarem permanecer sentados junto com os presbíteros ali donde previamente serviram como tais: que não sejam eles privado a tal honra. Se levantarem rebeliões contra os bispos ordenados nessa diocese, que sejam privados da honra presbiteral e que sejam proscritos.
Fazendo referência ao bispo que não pode encabeçar a diocese para a qual foi ordenado por razões que não dependem dele, o cânon não diz que perde o posto episcopal e volta a ser presbítero. Aqui se fala só do caso quando o bispo ocupa o lugar presbiteral, já que não pode fazer-se presbítero segundo o cânon 29 do IV Concílio Ecumênico. Ver Cânon Apostólico 36 e regras paralelas.
19. Aqueles que prometeram manterem-se castos e descumpriram tal promessa que cumpram a penitência que corresponde a quem se casa em segundas núpcias. Temos proibido que as donzelas coabitem com algum homem como irmãs.
O presente cânon considera a quem cai no descumprimento do voto de castidade por contrair matrimônio, e não por fornicação. O cânon por si mesmo proíbe que aqueles que fizeram tal promessa, homens e donzelas, vivam juntos, ainda que seu propósito fora cuidar de não transgredir o sétimo mandamento e manter a castidade. Isto se proíbe para guardar da tentação tanto a estes mesmos, como a quem os circundam, para que não duvidem da pureza da relação daqueles. Ver II de Constantinopla 6.
20. Se a esposa de alguém comete adultério, ou algum homem cair neste pecado, que cheguem à plena comunhão no lapso de sete anos, passando pelos estados que levam a ela.
Ver VI Concílio Ecumênico 89, que indica as etapas de arrependimento que devem passar quem cometeu adultério.
21. As mulheres que conceberam como conseqüência de seu adultério e logo abortaram, e se dedicam a preparar venenos que induzem ao aborto, segundo uma regra prévia se os proíbe comungar dos Santos Mistérios até a morte –- e esta decisão se cumpre até agora nas igrejas. Não obstante buscando uma alternativa mais condescendente, temos decidido que passem dez anos em arrependimento, segundo as etapas estabelecidas.
A proibição de comungar dos Santos Mistérios "até a morte" se deve compreender no sentido que se permite comungar no leito de morte de acordo com o cânon 13 do I Concílio Ecumênico. São Basílio o Grande explica em seu cânon 2 a condescendência dos pais do Concílio de Ancira para com as mulheres que abortam, com o fato de que com esse ato elas põe em risco de morte sua própria vida.
22. Aqueles que cometeram um assassinato voluntário, que permaneçam entre os sucumbentes, e que recebam a plena comunhão no final de sua vida.
São Basílio o Grande 8 e 56; São Gregório de Nissa 5.
23. Com respeito àqueles que cometeram um assassinato involuntário, uma regra anterior indica: que cheguem à plena comunhão em um lapso de sete anos passando pelas etapas estabelecidas; segundo uma nova disposição: que cumpram um tempo de arrependimento de cinco anos.
Ver São Basílio o Grande 8, 11 e 57; São Gregório de Nissa 5.
24. Aqueles que practicam a magia e cumprem os costumes pagãos, ou que convidam a seus lugares a pessoas para que realizem actos de feitiçaria ou de purificação, que cumpram o cânon que institui um período de arrependimento de cinco anos segundo as etapas estabelecidas: tres anos entre os sucumbentes e dois anos de orações sem a comunhão dos Santos Mistérios.
Ver VI Concílio Ecuménico 61 e regras paralelas.
25. Se um homem se tem comprometido com uma donzela, mas anteriormente tem desflorado a sua irmã que à conseqüência disto ficou embaraçada, e logo se casou com a comprometida de maneira tal que a desonrada se amargurou; os co-partícipes devem passar um período de arrependimento de dez anos entre os consistentes, para serem admitidos, de acordo com as etapas estabelecidas.
Ver VI Concílio Ecumênico 54; Neocesaréia 2; São Basílio o Grande 78.