sábado, 3 de dezembro de 2011

36. O Cristianismo Celta Insular. Visigodos, Anglo-saxões e Outros Germanos

36. O Cristianismo Celta Insular.



Visigodos, Anglo-saxões e Outros Germanos



Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto



I. Observações Fundamentais sobre a Evangelização dos Germanos.

1. A conversão dos germanos abarca em sua totalidade um período de tempo não inferior aos anos oitocentos. Evidentemente, as condições da conversão foram em cada caso muito distintas e por isso sua realização foi também muito diferente: diferente no tempo da queda do antigo Império Romano e os inícios da Idade Média; diferente na Antigüidade, ao tempo da guerra dos marcomanos, ao efetuar-se simultaneamente uma invasão mais ou menos pacífica das massas germânicas na zona do império e inclusive na administração romana; diferente entre os germanos ocidentais, no território da atual Alemanha, e diferente entre os germanos do norte, na Dinamarca e Escandinávia, convertidos em sua maior parte muito mais tarde; e diferente, enfim, entre os germanos orientais, que por suas correrias até o sul e sudeste entraram completamente na esfera de influência cristã-romana. Ainda no âmbito da futura Alemanha houve diferenças essenciais entre a cristianização dos ostfalianos, que ao retirarem os germanos orientais tiveram por vizinhos aos perigosos eslavos que vinham detrás, e a cristianização das regiões de Colônia, Tréveris ou Maguncia, conquistadas pelos francos, donde apesar da ruína geral houve algum contacto com o cristianismo, que ali tinha já um vigoroso desenvolvimento.

2. Na evangelização dos germanos as conversões foram pelo geral massivas, como conseqüência da conversão da nobreza ou do príncipe. Estas conversões em massa geram problemas extraordinariamente difíceis quanto a sua valoração cristã 5. A conversão, segundo o evangelho, é antes de tudo uma metanoia, mudança de pensar. Mas em uma conversão massiva o perigo de que a mudança de pensamento seja insuficiente, de que o ato se realize só no exterior, é sumamente grave. A história da vida religiosa dos primeiros séculos cristãos da Idade Média ocidental o confirma abundantemente. Mas o latente perigo dessa insuficiente realização da vida moral cristã ou dessa grosseira perturbação e ainda ofuscação da espiritualidade do cristianismo não foi certamente maior que o perigo da falsa interpretação judaica e gnóstica do cristianismo na Antigüidade, senão algo menor; as conversões em massa também tinham um valor positivo próprio: na fidelidade do séquito se punha de manifesto a realidade da comunidade, que nutrida com a idéia da "comunhão dos santos" podia resultar muito fecunda. Quando os germanos — convencidos da força de Cristo, ainda que muito raras vezes em plena possessão teórica da verdade da revelação — se aproximavam a receber o batismo em seu nome, também estava realmente entre eles (cf. Mt 18:20).

Assim, pois, para valorar retamente a evangelização dos germanos, temos que deixarmos a idéia de que toda decisão, para ser moralmente válida, tem que passar pela consciência individual que julga teoricamente a doutrina cristã. É certo que a aceitação e a compreensão devem efetuar-se sempre de algum modo através da pessoa individual. Mas a aceitação do reino de Deus não está reservada aos sábios e menos ainda a aqueles que são capazes de darem perfeita conta teológica do conteúdo da Fé.

Sabemos, porém que pelo menos algumas conversões coletivas estiveram precedidas de minuciosas reflexões sobre os prós e os contras em diversas coisas ou assembléias solenes, donde a causa cristã era exposta por alguns já convertidos ou próximos à conversão, ou donde os mesmos missionários pregavam a doutrina cristã. (Naturalmente, não faltam relatos ilustrativos de que com tudo isto as conversões não estavam a salvo de um conceito cheio e superficial de mudança de religião).

Finalmente, o batismo foi para estes homens, espiritualmente imaturos, justamente o começo de sua conversão. Pode-se estabelecer um paralelismo com o batismo dos meninos. Os germanos foram admitidos no seio da Igreja, dispensadora da vida sobrenatural; primeiro os era entregue (traditio) a Fé e logo, durante longo período de tempo, seguia a instrução a cargo dos missionários e, ao fim, a correspondente conversão interior.

3. Em todo tempo tem influenciado a personalidade cristã do missionário como o instrumento mais importante para a propagação da verdade cristã. O mesmo sucedeu na evangelização dos germanos. Os missionários capazes de levá-la a fim, dispostos a transmitir para nós imagináveis penalidades daquela missão itinerante na Germânia tão povoada de bosques, foram, em sua maior parte, germanos. Destruíram santuários pagãos, comeram a carne dos animais sagrados e batizaram no sagrado manancial dos deuses (por exemplo, Wilibrordo em Helgoland), para demonstrar assim o poder de Deus e a impotência dos ídolos. E em tudo isto, por regra geral, mostraram uma prudente e pedagógica capacidade de discernimento, que se correspondia com as magistrais diretrizes missionárias de Gregório I. Temos que fazer constar que só uns poucos missionários se desviaram das instruções recomendadas e do espírito de prudente acomodação, deixando-se arrastar pelo fanatismo e por prejudicá-los com atos de violência.

Acima de tudo, os missionários se sentiam motivados pelo mandato missionário sobrenatural de Jesus. Quando se pensa nas dificuldades da missão daqueles tempos, pode ao menos reconhecer e com assombro quão impregnados de ardente amor divino estiveram especialmente aqueles missionários vindos em cadeia ininterrupta (apesar dos fracassos e contratempos) das longínquas Ilhas Britânicas, totalmente desinteressados pelas coisas do mundo 6. Altamente significativo a este respeito foi o papel que desempenhou a oração na missão de São Bonifácio!

4. As circunstâncias anteriormente ditas são sobre tudo aplicáveis à conversão das tribos do interior da Germânia. Para os germanos orientais e para os francos estabelecidos definitivamente na Gália a conversão ocorreu em geral de outra maneira. O passo ao cristianismo não foi neste caso o resultado da demonstração da força superior de Deus dos cristãos, pois foram precisamente os cristãos romanos os que sucumbiram a estes germanos. O que estas tribos chegaram a tomar contacto efetivo com o cristianismo durante longos anos, ainda antes de sua conversão, se deveu mais ao fato de que o território que elas invadiram já estava impregnado de cristianismo; o ar que respiraram, poderíamos dizer, foi ar cristão.

a) Dizer que alguns germanos, ainda que só em uma significativa minoria, abraçaram o cristianismo pela força, contra sua vontade, é algo psicologicamente inconcebível, uma fábula. A violência só se empregou em uma medida relativamente escassa, e unicamente na Noruega, Islândia, Rússia e em alguns pontos da missão saxônica (§ 40).

É evidente que à conversão (como também à resistência) de certas tribos contribuíram poderosamente as considerações políticas. Isto tem sido assim em todas as formações nacionais da história universal: a união sempre se tem obtido a base de uma idéia religiosa baseada esta em uma liderança espiritual, fruto da ação do Espírito Divino de Cristo. Considerações políticas realistas contribuíram no Império Romano à decisão de Constantino o Grande, também foram co-determinantes no caso dos fritigios (visigodos) e em Clóvis; o caso voltou a repetir-se na missão dos frisões e os saxões e na cristianização das tribos escandinavas. Mas as "considerações políticas" não têm por que ser completamente contrárias nem à criação de uma convicção religiosa unitária nem à manutenção de sua pureza. Salvo escassas defecções, as tribos, uma vez convertidas, permaneceram fiéis a sua fé. Pelo qual é impossível que se convertessem à Igreja só exteriormente. Exterioridades existiram todavia por muito tempo e em quantidades alarmantes. Nem por isso, pode dizer-se que a confissão cristã não foi pelo geral sinceramente aceita, se consolidou e fixou raízes cada vez mais profundas. Mas temos de guardar-nos muito bem e entender o conceito de "convencimento interior" no sentido demasiado abstrato e esquecer que se trata de povos espiritualmente muito jovens, com um modo de pensar utilitário, muito influenciados pelo natural.

b) O emprego da violência tampouco está atestado por mártires, que em tal caso teriam derramado seu sangue por sua fé pagão-germana. Um banho de sangue como, por exemplo, o de Cannstatt não se deu como ato da missão aos alemães. A história da missão dos germanos nos fala de mártires Cristãos, não pagãos. Jamais se viu uma pressão política como meio missionário, ao longo do tempo, coroada pelo êxito. A tentativa do merovíngio Dagoberto I de cristianizar aos frisões por um edito de batismo fracassou espantosamente 7. Mas nos poucos casos em que a desesperada situação política externa obrigou a submeter-se à religião do vencedor, uma vez mudada a situação política, imediatamente teve lugar a reação; algo assim sucedeu com os frisões, por obra de Radbod, depois da morte de Pepino. A vitória chegou ao fim unicamente pela livre aceitação da nova religião. O que não exclui que a predominante e duradoura supremacia política contribuísse logo a que a nova confissão, aceita ao princípio contra a própria vontade, pudesse deixar fortes raízes.

c) Chegados a este ponto de análise temos de fazer uma consideração geral de grande importância. Os reis franco-merovíngios não aceitaram rigorosa legislação da época romana sobre os hereges, o que equivale a dizer que basicamente não conheceram coação religiosa alguma. Suas leis, naturalmente, proibiam aos cristãos retornarem ao paganismo e difundi-lo. Da mesma maneira, os visigodos arianos tampouco se viram obrigados a aceitarem a Fé Católica nas partes da Gália conquistada pelos francos; perderam, isso sim, sua liberdade de culto, foram retiradas suas posses, por exemplo, das igrejas e os objetos sacros (contra o qual, naturalmente, protestou o Arcebispo Avito de Viena, + 527). Tampouco foram perseguidos os judeus (como no reino visigodo).

A prova mais convincente da liberdade da conversão no sentido que viemos dizendo-nos a dá o fato já conhecido de que os germanos se converteram ao cristianismo relativamente às pressas, às vezes inclusive com surpreendente rapidez. E aqui, de novo, quem nos dá a prova mais eloqüente é a tribo que não só tratou de conservar o germânico em sua maior pureza (relativa), senão que com maior obstinação se opôs ao cristianismo: os saxões.





II. A Conversão de cada uma das Tribos.

Irlanda e Inglaterra.

1. Os visigodos, ao terem seu primeiro encontro com Bizâncio, entraram também em contacto com o cristianismo (§ 26, Wulfila o Ulfilas). Mas então Bizâncio era ariana. E muitas tribos germânicas receberam, junto com o arianismo, outras concepções próprias do Oriente: sua concepção política. Isto não sai do âmbito das possibilidades da Antigüidade tardia; por nenhuma parte entre estas tribos se lançam a ver novos impulsos criativos conducentes à Idade Média. A mesma tentativa, débil e ilusória tentou, logo deixada de lado, o príncipe visigodo Ataúlfo de mudar o nome da "Romania" para "Gothia" demonstra um alto grau de dependência interna, um limite espiritual que, juntamente com o afastamento religioso, estava obstruído a estes Estados o caminho para o futuro.

a) Os visigodos, que assolaram Roma e marcharam logo à Espanha para estabelecerem-se, já eram em sua maioria de confissão ariana; deles receberam outras tribos germânicas — os suevos e burgúndios — a fé ariana. Assim é como no século VI havia na Espanha, ao lado da zona católica, outros dois reinos germânicos arianos: os suevos e os visigodos.

O caminho até a confissão ortodoxa não era fácil. São Hermenegildo (+ 585), filho do rei visigodo, estava casado com uma princesa franca cristã ortodoxa, esta não somente recusou fazer-se ariana, senão que seu marido se fez católico e se rebelou contra seu pai (liga-se com os francos e com Bizâncio). Mas na confrontação armada venceu o rei ariano Leovigildo e, rompendo seu juramento, mandou julgar a seu filho prisioneiro. Logo o filho menor do rei, e seu sucessor, Recaredo, passaram igualmente ao catolicismo no ano 587; sob seu governo, a fins do século VI, se realizou a união com a Igreja.

Importante é a estrutura própria da Igreja territorial na Espanha, com uma fusão completa de ambos os campos pelo direito do rei de prover às sedes episcopais, convocar os concílios (nos quais também participavam seculares: concilia mixta) e determinar por si mesmo seu desenvolvimento. Mas o decisivo foi a função desta união; de nenhuma maneira significou uma simples dependência da Igreja, senão mais um incremento da efetividade espiritual. Segundo Santo Isidoro de Sevilha, como mais adiante veremos, a função eclesiástica do rei se limitou a proporcionar por meio de seu poder (terrore suo) autoridade da palavra do sacerdote e a apartar o povo do mal. A influência dos bispos foi muito grande, mais que nada por sua participação na eleição do rei, pois entre os visigodos não pode impor-se o direito hereditário da dignidade real.

b) No breve período de tempo até a invasão dos maometanos (711) a Igreja da Espanha alcançou um primeiro florescimento da atividade espiritual muito notável para aquela época. O atesta o Arcebispo Isidoro de Sevilha (+ 633), o escritor latino mais celebre do século VII, compilador e transmissor da antiga ciência eclesiástica e ao mesmo tempo precursor da idéia papal da alta Idade Média.

Depois da invasão dos árabes, os nativos ibero-romanos e godos em sua maioria permaneceram fiéis à fé cristã sob o nome de moçárabes 8. Sua separação do resto da Igreja favoreceu o desenvolvimento de um rito próprio (o “moçárabe"), que continuou até finais do século XI. Só em Astúrias se manteve um reino cristão independente, do qual se iniciou mais tarde a "reconquista."

2. Incomparavelmente mais importante para o progresso da história do Ocidente foi as duas igrejas das Ilhas Britânicas. Ambas tentaram uma outra evangelização aos germanos do continente.

Contudo, tanto o método de trabalho como os resultados foram muito diversos. A atividade iro-escocesa foi uma autêntica evangelização itinerante, como logo veremos. Muito importante foi seu influxo sobre o monacato, sobre a organização da penitência e sobre a fundamentação da vida cristã no continente. Mas não pode transmitir a este o que ela mesma, enquanto Igreja monástica, não possuía; a organização eclesiástica não recebeu a ajuda duradoura do cristianismo em sua parte decisiva até a missão anglo-saxônica.

a) A Igreja mais antiga é a formada pela cristandade celta da Bretanha. Nasceu no curso da conquista romana (talvez também com cristãos fugitivos de Lion e de Viena?), mas segundo o testemunho de Tertuliano se estendeu mais além das regiões ocupadas pelos romanos (finais do século II). A presença dos bispos britânicos (Londres, Lincoln, York) nos concílios do século IV na Gália, Bulgária (Sárdica) e Itália (Ariminianum, 358) confirma a existência de uma organização eclesiástica nas Ilhas Britânicas.

Este cristianismo caiu como Igreja (e com ele a cultura romana) ao mesmo tempo que a soberania romana, como consequência dos ataques do Norte (pictos), do Oeste (iro-galos) e do leste (anglos e saxões) a fins do século IV e começos do século V. No ano 410, com as legiões romanas que se retiravam, vieram pela primeira vez ao continente os cristãos nativos da Ilha (celtas). Os encontramos não só na Bretanha continental, senão também no século VI na Espanha (na “Galícia", ao norte da Espanha) com seus próprios bispos (britânicos).

Os cristãos que ficaram na Inglaterra se retiraram para a zona montanhosa do Oeste, donde muito logo se reorganizaram como Igreja (Germanus de Auxerre atuou ali contra a heresia pelagiana até o ano 429).

b) Da vitalidade deste florescente resto da Igreja britânica deu testemunho sua força missionária: dela procedeu direta ou indiretamente a missão da Escócia e da Irlanda. De grande importância foi também, já nestes primeiros tempos, a influência de Roma.

O britânico Ninian, formado em Roma e consagrado bispo pelo Papa Siricio, fundou já no ano 395 o mosteiro de Candida Casa (Escócia sul ocidental, frente à ilha de Man), seguindo o modelo do mosteiro de São Martinho de Tours, como central missionária para os locais nomeados na Escócia.

Também nos confusos inícios da missão irlandesa podemos descobrir a influência de Roma; da parte de Ninian, se preocupou os escoceses da Irlanda o Bispo Palladius por encargo do Papa Celestino (+ 432).

c) A autêntica conversão da Irlanda foi obra do filho de um diácono britânico, São Patrício. Raptado pelos piratas irlandeses e levado à verde Erín, logrou fugir ao continente. Chegou até a Itália e completou sua formação teológica provavelmente em Lerín e em Auxerre.

Daqui, junto com outros companheiros britânicos e galos, partiu para a missão da Irlanda por volta do ano 431. Desenvolveu sua atividade primeiramente na Irlanda do norte (até o ano 444 fundou o que logo seria sede metropolitana de Armagh). No sudoeste e sudeste trabalharam discípulos de São Patrício, bispos galos. Seguindo o modelo galo, Patrício deu a Irlanda originariamente uma constituição diocesana. Mas esta não pode manter-se logo por uma dupla razão. Irlanda nunca havia sido ocupada pelos romanos e por isso faltava aquela divisão administrativa em que se apoiou a organização eclesiástica nas zonas romanas ou transitoriamente ocupadas pelos romanos. Em segundo lugar, as forças monásticas eram tão preponderantes, que foi seu próprio caráter o que, desde meados do século VI em diante, se impôs na constituição eclesiástica; se chegou à formação de uma Igreja puramente monacal, o seja, os mosteiros eram os únicos centros da administração eclesiástica e os monges, em sua qualidade de bispos e sacerdotes, os encarregados da cura de almas.

A Igreja da missão irlandesa era, porém uma Igreja completamente nacional e tribal. A paróquia monástica se correspondia com o distrito do clã, cujo chefe era o fundador, protetor e proprietário do mosteiro. A dignidade abacial passava por herança de geração em geração a sobrinhos ou primos. O clã se sentia responsável pela manutenção e crescimento de sua comunidade monástica: todo décimo filho pertencia ao convento. E, ao inverso, o convento servia à tribo com a igreja e escola.

Os conventos irlandeses dependeram em grande parte dos abades que não eram sacerdotes e faziam que os necessários ritos da consagração fossem celebrados por bispos-monges. Estes bispos sufragâneos foram os que em suas peregrinações fizeram generoso uso de suas faculdades de consagração, provocando numerosos conflitos com a hierarquia do continente.

d) Depois da retirada das tropas romanas da Bretanha e do conseqüente isolamento ocasionado pela invasão dos saxões, anglos e rutlandeses, todos eles pagãos, até o ano 450, esta Igreja teve já poucas possibilidades de manter contato com Roma. Porém, seus representantes não quiseram outra coisa que manter em pé a Fé recebida dos príncipes dos apóstolos, por quem sentiam uma profunda veneração e cujos sepulcros era a meta de suas peregrinações. Em tempos do Papa Bonifácio IV (608-615) nada menos que Columbano o Jovem, missionário no continente, quem testemunha a estreita união da Igreja celta com a Catedra Romana. Mas nem por isso se absteve de colocar na face do papa com toda franqueza a falha de seu predecessor Virgílio: "A importância da sede apostólica leva consigo a obrigação de manter-se separada de toda impureza da Fé, porque caso contrário a ‘cabeça’ da Igreja se converte em “cauda” e os simples cristãos podem julgar o papado."

A Igreja celta insular não esteve, pois, desligada de Roma, ainda que nela se firmasse mais o primado do pnevmático ou espiritual sobre o jurisdicional durante mais tempo que nas restantes Igrejas do Ocidente.

e) Assim, pois, apesar de que também aqui cobrou perigosa vigência essa peculiar mistura medieval do eclesiástico e do mundano, ou seja, a degeneração do bispo e pastor de almas em senhor, o cristianismo monástico da Irlanda alcançou desde muito cedo um apogeu extraordinário e se converteu em foco de ampla irradiação para a história da Igreja (a ilha dos santos). Aqui se fez patente (como logo nos séculos VII e VIII nos conventos anglo-saxões) uma síntese modelo de formação espiritual e atitude ascético-religiosa, sumamente interessante para a construção da Igreja medieval. Os mosteiros irlandeses desempenharam um papel incomparável na conservação e transmissão da cultura Greco-romana. Jamais uma legião romana pôs o pé na Irlanda. Porém, foi um terreno fecundo para muitos valores da cultura romana. Devido também a que a invasão dos bárbaros não afetou a esta ilha no Ocidente, a continuidade da cultura romana jamais se viu aqui interrompida. Todas estas circunstâncias, mais efetivas ainda graças ao isolamento imposto pela invasão dos saxões e dos anglos, favoreceram o desenvolvimento de toda sorte de particularidades eclesiásticas (cálculo da Páscoa, santo sacrifício, traje talar e corte do cabelo; e o mais importante: a prática da penitência, como logo veremos).

Esta progressiva superioridade cultural se mostrou, por exemplo, no conhecimento da língua grega, que em outras partes se havia perdido, e de algumas obras platônicas e neo-platônicas. Sua difusão se faz ver naqueles doutos da primeira Idade Média denominados Escotos (Escoto Eriúgena, + 877; Sedulio Escoto, + 858; Mariano Escoto, + 1082; Duns Escoto, + 1308; também foi irlandês o douto bispo Virgílio de Salzburgo, § 38, II).

3. Por impulsos ascéticos muitos destes monges partiram de seus conventos até outras terras, viajando em grupos (aqui está o motivo, tão multiforme como importante na história da religião e da Igreja, da peregrinação religiosa: peregrinatio; § 31, 5).

a) Tanto em sua terra como fora dela foram pastores de almas. Caso se encontrassem entre pagãos, se faziam missionários. Todo o trabalho realizado por estes monges está vinculado em grande parte aos nomes dos dois Columbanos: Columbano o Velho (+ 597), do célebre mosteiro de Hi ou Jona, foi o apóstolo e evangelizador dos locais da Escócia. Esta grande obra de conversão da Igreja monástica irlandesa se estendeu logo até ao Sul, aos anglos e aos saxões ao norte de Tamises.

Columbano o Jovem (+ 615), do convento de Bangor da Irlanda, foi o renovador da Igreja franca. Entre os anos 590-612, ou seja, durante o pontificado de Gregório I, fundou mosteiros na Gália, a zona dos alemães, E Na Itália setentrional. Os principais foram Luxeuil na Burgúndia e Bobbio no norte de Itália. Se converteram em plantéis de missionários galos e francos, que exerceram uma influência renovadora em sua própria Igreja franca e, junto com os missionários irlandeses, levaram o cristianismo aos germanos ainda pagãos que haviam caído sob o domínio dos francos. Assim, as peculiaridades surgidas na Irlanda foram transplantadas primeiramente à Gália e logo a Alemanha e deram ali seu ensinamento da vida monástica, e a concepção da ascética cristã.

Especialmente importante foi seu influxo na práxis da penitência; significou nada menos que a transformação da prática da penitência pública, vigente na Igreja antiga, em confissão privada, com forte acentuação da penitência satisfatória. Deste modo se introduziu, por exemplo, a confissão freqüente e nos "livros penitenciais" apareceu uma espécie de tarifa reguladora dos distintos tipos de penitência Individual.

Columbano foi auxiliado por companheiros da Irlanda, dos quais conhecemos alguns nomes eminentes. Com Columbano chegou ao continente Galo (+ 640), ao qual fundou uma ermida donde mais tarde se construiu o mosteiro de St. Gallen. São Kilian (+ 689) evangelizou a atual Franconia (Wurzburgo) 9. É incerta a procedência de Pirmino, fundador da abadia de Reichenau (724), que indubitavelmente provinha de um dos mencionados conventos. E, ainda, os santos missionários irlandeses Fridolin, Fursa, Foillan e Disibod, entre outros.

b) Os resultados desta missão iro-escocesa não foram em absoluto unitários. Tanto no Império franco ocidental como na Germânia a vida ascética e sacrificada destes monges deu um forte impulso ao aprofundamento da vida cristã, e entre os pagãos foram muitos os convertidos. Mas também houve toda uma série de deficiências.

Como a missão trabalhou em parte sob direta proteção dos francos, na Germânia não franca despertou a suspeita de que servia aos interesses francos. As tensões políticas provocaram por isto muitos e sensíveis retrocessos.

Os irlandeses insistiam com excessiva obstinação em suas particularidades pátrias, por exemplo, na celebração da festa da Páscoa segundo seu cálculo particular; assim, nunca deixaram de ser em certo sentido estranhos ao continente; não se adaptaram suficientemente à hierarquia local e tampouco aos poderes temporais, com os quais tiveram contínuos conflitos.

A afluência de reforços da pátria não foi suficiente nem em número nem em regularidade.

A missão careceu de planificação; os missionários individuais (os grupos de missionários) não trabalharam o bastante unidos entre si, nem quem dentre eles eram bispos organizaram dioceses nas quais pudessem incardinarem os sacerdotes por eles ordenados. Aqui se observa claramente a falha essencial da missão iro-escocesa: faltou o sistema de ordenação e apoio. Dito em termos históricos concretos: faltou o fator eclesiástico universal, faltou a colaboração com o centro, com Roma 10, única instituição cujo universalismo podia proporcionar a unidade interior necessária para o futuro. Precisamente esta circunstância teve de ser a que levou a missão anglo-saxônica a resultados duradouros entre os frisões e os francos.

4. Como já dissemos, a conversão dos anglos e saxões, os povos germânicos que invadiram a Inglaterra desde o ano 450, foi iniciada primeiro pela Igreja britânica e pouco depois pela irlandesa. Mas foram principalmente os iro - escoceses quem, desde Jona e o convento de Lindisfarne, na Úmbria nórdica, converteram a grande maioria dos anglo-saxões.

Pode-se dizer, porém, que a conversão do resto dos anglo-saxões (em Kent e em Sussex), e especialmente a inclusão dos celtas britânicos, foi na Idade Média o primeiro grande êxito da Igreja continental depois da conversão dos francos: a criação de uma Igreja britânica anglo-saxônica estreitamente vinculada a Roma. Esse é o mérito de São Gregório Magno. A Inglaterra cristã é uma criação de seus enviados. Por isso esta Igreja foi a mais vigorosamente romana do Ocidente. E por isso cem anos depois, São Bonifácio reorganizou a Igreja franca e a uniu estreitamente com o centro da Igreja.

Na evangelização, o Santo Papa Gregório procedeu seguindo um plano muito preciso. O relato, segundo ao qual Gregório haveria comprado e educado escravos anglo-saxões com o fim de empregá-los mais tarde na missão, tem uma base todas as luzes lendárias. Mas o relato, no fundo, contém algo de verdade. No ano 595 Gregório mandou o administrador do patrimônio pontifício na Gália fazer recrutamento de jovens anglo-saxões para o serviço nos mosteiros. Parece ser que Gregório estava ciente da boa disposição dos anglo-saxões para a conversão e tomou pessoalmente a iniciativa, porque o episcopado franco do norte não se ocupava das missões. Assim, pois, no ano 596 enviou às Ilhas Britânicas quarenta beneditinos de seu próprio convento romano de Santo André, entre eles o rude, e “desnecessário” Santo Agostinho. Já no ano 597 se deu a primeira conversão em massa. Em 601 o rei Etelberto de Kent foi ganho para o cristianismo por obra de sua mulher cristã ortodoxa franca, Berta 11. Pelo mais, o cristianismo (não pela reação dos pagãos com a morte de Etelberto, 616) fez progressos lentos, mas seguros, ainda que não chegou a realizar a grandiosa organização eclesiástica que se planejava (Londres e York como metrópole, com doze sedes sufragâneas cada uma). Também aqui os mosteiros foram os centros da evangelização. A estima geral de que desfrutavam se põe de manifesto, entre outras coisas, em que reis e rainhas freqüentemente abdicavam de suas coroas para terminarem sua vida como monges ou monjas. Nos séculos do primeiro entusiasmo cristão isto sucedeu não menos de 33 vezes; e desde o século VII ao XI se fala pelo menos de 23 reis santos e de 60 rainhas e princesas santas nos sete reinos anglo-saxões.

O trabalho realizado ou dirigido pelo espírito universalista de Gregório Magno foi mantido por seus sucessores só em pouca medida. Sua obra entre os anglo-saxões se viu seriamente ameaçada pelas intermináveis controvérsias entre a igreja romano-anglo-saxônica à iro-escocesa. Por uma parte, o tradicionalismo e a teimosia celta e, por outra, a tendência romana à uniformidade provocaram uma oposição que sobrecarregou seriamente as forças da Igreja. Em vão se tentou nos Concílios da União (602-603) uniformizar o cálculo da Páscoa e os ritos do batismo e a confirmação. Não faltaram lamentáveis acusações de heresia (a forma de tonsura e o cálculo da Páscoa irlandesa como sinais de "heresia"!). Mas, por bem, à Igreja anglo-saxônica sobreveio a profundidade religioso-ascética da Igreja iro-escocesa, que levou sua evangelização desde o norte das Ilhas Britânicas aos anglos e saxões até o Tamises.

Uma mudança definitiva se efetuou no sínodo de Whitby (664), donde o anglo-saxão Wilfrido de York discutiu sobre questões controvertidas com o abade-bispo irlandês Colman de Lindisfarne ante o rei Oswin. A última decisión a tomou o rei, decisão que reflete à perfeição todo o ambiente: "E eu os digo: posto que este (ou seja, Pedro) é o porteiro, não quero estar em contradição com ele... para que quando chegue à porta do paraíso tenha ali alguém que me abra e não me feche precisamente ele que tem a chave." O abade Colman e os seus abandonaram imediatamente o país, mas Wilfrido e seu sucessor Acca, com o apoio real, declararam uma guerra implacável aos usos e costumes irlandeses em todas as zonas. Tudo devia estar regulado segundo o modelo romano.

Porém, os irlandeses continuaram lutando por sua independência. A plena integração não se efetuou até os séculos XI-XII, desgraçadamente não sem uma grave difamação da antiga e venerável Igreja da Irlanda (sem entrar em juízo algum, aqui pode ver-se os primeiros vestígios do imperialismo religioso romano, que logo se fará mais forte com o transcurso dos tempos. Ou seja, impor as concepções e ritos latinos a todas as igrejas), que apesar de numerosos defeitos havia realizado grandes coisas no campo da atividade missionária. A tragédia e o fracasso — não isentou de culpa — estas discussões se fizeram novamente patente quando Alexandre III (1159-1181.) submeteu a "bárbara nação" dos irlandeses ao domínio do rei inglês, para que esta, depois da necessária reeducação, se faça digna "no futuro de levar com todo direito o nome da religião cristã"!

Desde o ano 664, a Igreja anglo-saxônica foi uma Igreja territorial unida a Roma; se impôs o espírito romano-católico ortodoxo, que Bonifácio haveria de levar em seguida ao continente franco. O grego Teodoro veio de Roma como arcebispo à sede de Canterbury (669-690).

Na cristianização da Inglaterra participaram de forma destacada os mosteiros de monjas, com suas abadessas de alto posto social e espiritual. Cem anos depois de sua fundação, a Igreja inglesa foi a mais florescente de todo o Ocidente. Em seus mosteiros, cultural e espiritualmente muito ativos, nos apresenta sábios, missionários e santos (§ 37). Entre os sábios temos que destacar a São Beda o Venerável (+ 735), que escreveu uma história eclesiástica dos ingleses, complicações exegéticas e selectas Quaestiones com capítulos verdadeiramente teológicos, independentes, sobre o livre arbítrio, o que o faz ser um dos precursores da Escolástica (Beda foi declarado doctor ecclesiae pelo Papa Leão XIII). Por esta fecundidade, e espiritualidade por sua grandiosa atuação missionária no continente, tão importante desde o ponto de vista histórico, esta Igreja demonstra com quanta rapidez, dadas as circunstâncias, pode o cristianismo conquistar o profundo das almas destes germanos e fazê-lo frutificar criativamente 12.



5 As conversões massivas que encontramos na Antigüidade (por exemplo, em Jerusalém depois da vinda do Espírito Santo) não são autênticos modelos que podemos empregar aqui. Os supostos da conversão e o mesmo processo, naquele tempo, devem buscar-se na aceitação interior da verdade.

6 Mas nem por isso temos que menosprezar o compreensível interesse natural dos monges e das monjas anglo-saxões em que prosperassem suas fundações no continente depois de havê-las logrado.

7 Tem sido muito discutida a historicidade de este mandato.

8 De mosta rabi = convertidos em árabes.

9 Se discute sua procedência da Irlanda.

10 Porém, Columbano se dirigiu a Roma, a Gregório Magno, para conseguir um apoio contra os bispos francos.

11 Não conhecemos exatamente a data de seu batismo. Já no ano 596 havia acolhido obsequiosamente aos missionários cristãos.

12 O impulso missionário anglo-saxão se manifestou, todavia muito mais tarde, entre os germanos do Norte: entre os suecos e noruegueses (aqui por obra de seu rei, Olaf Tryvasson, educado cristianamente na Inglaterra e morto no ano 1000, ao qual também se deve a conversão da Islândia). Mas em alguns casos também este rei germânico empregou a violência.



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Attikis, Greece
Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com