l. O fato fundamental para a Igreja nesta segunda época é a mudança radical de suas relações com o Estado: a Igreja foi oficialmente reconhecida em conformidade com o paganismo. Depois do sintomático prelúdio da Armênia, donde já no ano 295 o cristianismo se havia convertido em religião do Estado, é finalmente Constantino quem assenta as novas e decisivas bases do Império romano. Depois da morte de seus irmãos, seu filho Constâncio (351-361) venceu ao usurpador Magêncio e se converteu em soberano absoluto, proibiu os sacrifícios pagãos e os templos foram fechados. Inclusive chegou a pensar em uma conversão dos pagãos pela força, como logo veremos.
Depois do ameaçante interlúdio de Juliano (§ 22) seguiu adiante, e acelerado, o processo de cristianização de toda a vida pública. O imperador Graciano (375-383) rechaçou o título de Pontifex Maximus, privou aos sacerdotes pagãos (incluídas as vestes) de seus privilégios e retirou definitivamente do Senado 1 o altar da Victória. Teodósios (375-395), nomeado imperador pelo mesmo Graciano, levou a cabo a repressão oficial do paganismo, que pela obra do franco Arbogasto, general do emperador Valentiniano, pagão e muito influente por suas vitórias sobre os insurgentes germanos no ano 392, houvera podido constituir um grave perigo geral. Teodósios o venceu no ano 394, proibiu novamente os cultos pagãos e fechou os templos. O cristianismo se converteu na religião do império. A celebração de cultos pagãos foi declarada delito de lesa majestade. Dado que Teodósios volveu a ter em sua mão todo o império do Oriente e Ocidente, pode de uma vez dar o tiro de misericórdia ao paganismo e ao arianismo.
2. Pela desgraça, para reprimir o paganismo, em seguida se empregou a violência. Porém Constantino, nascido e educado pagão, teve certa consideração com o paganismo, seus sucessores, educados no cristianismo, não guardaram nenhuma. A isto veio a somar-se o manifesto literário de Fírmico Materno do ano 346 ("Do erro das religiões profanas"), que não somente convidava a fundir os tesouros dos templos, senão também a aniquilar a todos os que pregavam o paganismo 2.
Segundo a tônica geral do evangelho e, mais em concreto, segundo a palavra e o sentido do mandato missionário ("como ovelhas entre lobos," Mt 10:16; "não pedir fogo do céu," Lc 9:54), a propagação da doutrina cristã por meio da violência não pode justificar-se.
Porém os cristãos estavam em minoria e na ilegalidade e eram, portanto, perseguidos, tiveram de comportar-se assim por necessidade. Depois, da liberação de Constantino, os bispos e com eles as comunidades e a Igreja como tal começaram a possuir poder público e a gozar de todos os direitos civis, ou seja, todos os direitos exigíveis 3; e em seguida surgiu em uma ou outra forma a tentação da violência. Às vezes, até demasiadas vezes, em seu zelo pela verdade não praticavam bastante o preceito do amor, tanto si se tratasse de pagãos como de hereges ou judeus. Entre os propagadores da violência encontramos monges, bispos e inclusive as "massas," que, por exemplo, se apoderaram entusiasmadamente de uma igreja que devia ser entregue aos arianos.
Tampouco faltam, por outro lado, personalidades eclesiásticas que rechaçam o emprego da força. Ambrósio, é certo, com ajuda da multidão excitada interveio contra a usurpação de uma igreja por parte dos arianos e declarou legítima a destruição de uma sinagoga, mas também se pronunciou a favor da excomunhão dos bispos galos que haviam aprovado a morte dos hereges; a mesma postura descobrimos no Papa Sirício e em Martinho de Tours (cf. também a postura de Agostinho e de Jerônimo a respeito da verdade) 4.
3. Assim, pois, a Igreja imperial nasceu. Se o ofereciam muitas distintas possibilidades de ação, se o apresentavam outros cometidos. Mas também o Estado, sobre tudo na "sacra" figura do imperador, dispunha agora de novos meios de intervenção na vida interna da Igreja. Na gigantesca polêmica em torno do arianismo e ao monofisismo, como também ao nestorianismo, experimentaremos profundamente esta infausta intromissão (§§ 26 e 27).
a) Ao mesmo tempo o império ia perdendo coesão: Oriente e Ocidente começaram a ter objetivos diferentes. A isto contribuiu poderosamente a oposição eclesiástica entre o Ocidente atanasiano e o Oriente ariano. Ambas metades do império perderam extensão; os povos limítrofes pagãos e heréticos (os germanos!) foram avançando. Em 395 o império se divide. E no ano 410 Roma é saqueada pelos visigodos de Alarico. As tropas romanas se reteram de Bretanha e do Reno. A Gália, Espanha e África passam a poder dos germanos. O Papa Leão (451) salva Roma de Átila. Em 455 se produz um novo saque a Roma por Genserico. Em 476, o germano Odoacro depõe a Rômulo Augusto, último imperador romano do Ocidente.
Paralelamente, como consequência lógica desta transformação, sobrevêm a sintomática extinção interna do paganismo, não sem antes receber alguns contragolpes, mas também sem deixar de sobreviver em bastante detalhes e no subconsciente de muitos.
b) Neste entorno basicamente modificado, susceptível ainda de sucessivas transformações, no que as forças da Igreja já não se empregavam na luta pela existência, à vida interior desta pode desenvolver-se com uma autonomia muito mais frutífera. Daí a segunda característica deste período: no Oriente como no Ocidente se inicia a primeira grande época da teologia, como também da luta contra a heresia. Na história da Igreja se sucedem os grandes concílios ecumênicos (as controvérsias trinitárias e cristológicas, as Igrejas heréticas e os cismas do nestorianismo e do monofisismo). A par, com este aperfeiçoamento da doutrina avança também a estruturação da constituição eclesiástica, da liturgia e da arte (especialmente importante no Oriente).
c) Certamente, o final desta época não pode fixar-se no ano 476, a partir do qual já não houve imperadores romanos do Ocidente. Entre a Antigüidade e a Idade Média há uma zona de transição: se caracteriza pelo longo processo (interceptado por fortes movimentos de retrocesso) de dissolução interna e externa do Império Romano e sua cultura, durante ao qual paulatinamente se abrem caminho e configuram as estruturas "medievais."
1 Isto sucedeu já sob Constantino, mas Juliano mandou erigir novamente o altar.
2 Já nele encontramos a infausta, falsa conclusão, adoptada logo tão frequentemente: a compaixão para com os extraviados... é, na realidade, crueldade; a dureza, em troca, compaixão.
3 Em Roma, tais direitos civis já os possuíram, em parte, no século III (§ 12).
4 A primeira execução da pena capital contra um hereje teve lugar em Tréveris no ano 384 por Máximo, o usurpador galo, contra Prisciliano e seus companheiros. Mas o que o imperador pagão pretendeu eliminar em Prisciliano foi mais bem ao mago e ao difusor de idéias consideradas imorais no Império Romano que ao herege. No ano 389, destruição do "Serápeum" em Alexandria, e ali mesmo, no ano 415, o assassinato da matemática grega Hipatía.