23. O Cristianismo como Religião do Império.
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
1. Constantino havia aberto ao cristianismo o caminho da vida pública, pondo-o em situação de converter-se em religião do império. Tanto por seu íntimo impulso missionário como pelo apoio dos imperadores, a Igreja foi pouco a pouco realizando esta tarefa. Uma a uma foi convertendo a todas as regiões do império a sua gozosa mensagem; progressivamente foi transformando suas organizações em uma estrutura conclusa de considerável importância política. Os imperadores, tanto por suas idéias cristãs como por prudência política, aprovaram e favoreceram esta evolução, por um lado apartando-se do paganismo e restando-lhe seu apoio moral e material e por outro os prestando cada vez mais ao cristianismo e à Igreja; o cristianismo passou de ser uma religião equiparada ao paganismo a ser a única reconhecida pelo Estado.
2. Com isto, ao jovem cristianismo se o apresentava uma nova tarefa: surgiu o problema de como levar a cabo as tarefas políticas segundo a doutrina de Cristo.
a) Como este problema não havia existido para a comunidade primitiva (o Estado e seus dirigentes eram pagãos), as reflexões da ética e a ordem políticas não podiam ter mais que um escasso eco nos escritos do Novo Testamento (cf. Mt 22:21; Rom 13:1). Mas agora havia que dar uma resposta sobre que ideal teria que pregar aos cristãos, que podiam ou deviam actuar politicamente e que forma deviam revestir as relações destes homens com os bispos, sucessores dos apóstolos: como tem que coordenarem dentro da Igreja os bispos e o imperador?
b) Dado que os imperadores haviam conseguido e garantiam a liberdade da Igreja, dado que além do mais concentrava em uma só mão toda forma de determinação política, e que o episcopado andava a pouco desunido, se encontravam de primeiras em uma situação vantajosa; por parte disto, e em especial frente aos sucessores de Pedro, os bispos de Roma, podiam remeter-se ao fato de que toda autoridade procede de Deus (Rom 13:1) e, por conseguinte, se deve obedecer aos imperadores. Por isso, e por cima da antiga tradição pagã, consideraram como competência sua, por ordem nos assuntos eclesiásticos, sempre em colaboração com o episcopado, mas preferentemente segundo a vontade do imperador. A este respeito, logo se fez referência ao povo de Deus do Antigo Testamento e à atuação dos reis nele 10.
c) Com isto não pode em modo algum excluir suas múltiplas intervenções, mas pode esclarecer esse convencimento fundamental sem ao qual não é possível compreender a história da Igreja nos primórdios da Antigüidade (nem na Idade Média): os soberanos cristãos (e os estadistas, comparando com o hoje), enquanto dirigentes políticos da cristandade tinham uma missão histórico-salvífica. Seu objetivo, que devem cumprir em directa responsabilidade diante de Deus, é a realização da virtude cardinal da justiça, que na Escritura se menciona mais de oitocentas vezes. Neste tempo o rei justo (rex justus) é o soberano querido por Deus, que se bem deve respeitar o âmbito do sacerdócio, ostenta não obstante uma alta dignidade na Igreja.
Obviamente, portanto, os imperadores se arrogaram, por exemplo, um amplo poder sobre os concílios ou pronunciaram a palavra decisiva nas controvérsias doutrinais da época. Sua palavra —palavra de seculares— tinha uma notável importância espiritual.
3. Esta evolução, acompanhada de uma crescente repressão legal, e em parte também ilegal, do paganismo, a completou Justiniano (527-565). Nele, que pela última vez se uniu o império do Oriente e do Ocidente (então [547?] já São Bento havia terminado seus dias), marca o ponto culminante do cesaropapismo. Justiniano, o imperador do direito, declara aos não batizados fora da lei e aos hereges inábeis para desempenhar qualquer cargo. Com isto está já basicamente expressada a concepção medieval de que só o ortodoxo é um cidadão completo, e que todo ataque à Fé ou à Igreja significa por si mesmo um ataque ao Estado. Esta idéia se foi pouco a pouco condensando na extensa legislação contra os hereges (Codex Theodosianus, 428). Entre os teólogos foi Santo Agostinho acima de todos, o representante mais influente da idéia de que o Estado não só tem a obrigação de proteger à Igreja, senão também o dever de obrigar aos outros, os hereges, a que aceitem a verdade (interpretando exageradamente Lc 14:23). Também Santo Ambrósio, a quem em outro contexto temos conhecido em seu aspecto contemporizador, propunha a destruição das sinagogas, porque "não pode haver nenhum lugar donde Cristo seja negado" (cf. também § 21).
10 Estes argumentos, com suas múltiplas variações, inversões e confusões, tiveram uma enorme importância para a Idade Média. Teremos ocasião de voltar a pouco sobre este assunto ao falar da interminável luta entre o papado e o império, começando desde Carlos Magno e passando pelas seguintes gerações de imperadores até a evolução da investidura divina do príncipe nos nascentes estados nacionalistas.