22. O Imperador Juliano e a Reação Pagã.
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
Traduzido pelo Presbítero Pedro Anacleto
1. O paganismo não estava morto. Tradições antiqüíssimas não desaparecem senão pouco a pouco. Especialmente nesses núcleos sociais aos quais tais tradições soam estarem mais arraigadas, as antigas famílias nobres, ainda estavam aderidas à velha religião, sob a qual havia surgido a glória do império. Não se deve duvidar que sob Teodósios (+ 395), que constituiu a “nova Fé” na religião do Estado (§ 23), ainda era pagão a metade dos súditos do império.
Também determinadas profissões foram centros de resistência à cristianização. Para os sacerdotes e os mestres superiores (também os artistas) estavam em jogo suas existências. Justamente aqui demonstrou o novo Estado (em parte também por necessidade) uma singular falta de lógica, que, por outro lado, trouxe conseqüências vantajosas para o patrimônio cultural da Idade Média: as mais célebres escolas superiores e a quase total instrução das classes mais elevadas foram deixadas em mãos de mestres pagãos 8 e durante certo tempo continuaram sendo previstos os cargos sacerdotais pagãos. O esplendor sem igual das obras culturais do paganismo seguiu exercendo sua maravilhosa força de atração.
Do mesmo modo que a eventual perseguição sangrenta do paganismo contribuía por outra parte a provocar uma resistência mais tenaz, assim também as funestas separações ocasionadas pelas heresias no cristianismo (§§ 26 e 27) diminuíram por outro lado sua força interna e seu prestígio externo.
2. O paganismo recebeu no século III, especialmente entre as pessoas cultas, novo esplendor, renovada força de atração e um verdadeiro robustecimento interior por meio do neoplatonismo 9. Se trata de uma filosofia religiosa idealista ou também de uma religião filosófica, a última grande criação do gênio grego. Reinterpretando e aprofundando a antiga religião popular pagã, se logrou outra vez um renascimento real do paganismo. Seu maior êxito em concreto foi ganhar o imperador Juliano (também Santo Agostinho passou por este sistema).
3 Juliano o Apóstata (361-363). A brutalidade homicida que passada como imagem por Constantino o Grande, foi herdada por seus três filhos. Arrastados pelo medo a seus competidores, igual que seu pai, eliminaram a seus parentes varões, exceto seus dois primos mais jovens, Galo e seu irmão Juliano. Quando Constâncio foi soberano absoluto, mandou matar também a Galo, ao qual ele mesmo primeiramente havia nomeado César, entretanto que a Juliano, por instancias da imperatriz, foi lhe perdoado a vida e pode continuar sua atividade no serviço monástico eclesiástico, donde se o havia confinado. É compreensível que esta obrigada profissão o fizesse não só antipática, senão até odiosa à religião à qual havia se unido, a religião professada pelo assassino de seu pai. E, vice-versa, pode parecer-lhe mais simpática a religião pagã que aquela que o havia perseguido. Além que, o traição dos bispos arianos da corte, assim como a desunião dos cristãos, não causou-lhe boa impressão.
Sem embargo, a causa principal de seu distanciamento do cristianismo (que pelo mais só era conhecido na viciada forma do arianismo) foi o impulso pagão de seus mestres. Em particular o neoplatônico Máximo despertou seu entusiasmo, sendo ainda estudante, da antiga filosofia. Aos vinte e dois anos abjurou secretamente o cristianismo e se fez iniciar nos mistérios eleusinos. Chegou sua hora quando Constâncio o fez César e o enviou à Gália. Ali fez coisas tão sobresalientes que suas tropas o proclamaram Augusto. A luta contra o odiado Constâncio se fez com isto inevitável. A morte deste, ocorrida antes do desenlace bélico, converteu a Juliano em soberano absoluto.
Juliano, sendo imperador, apostatou também publicamente. Aderiu ao paganismo e se propôs seriamente a fazê-lo renascer.
4. Juliano era bastante inteligente para não provocar uma perseguição sangrenta, já que os mártires só tiveram favorecido à Igreja. Sem embargo, chegou a haver martírios, devido ao furor da plebe pagã, ao capricho de certos governadores e à ira do imperador contra cristãos particulares. Não menos vituperável é o modo ambíguo, insidioso e mesquinho com que Juliano tratou de conseguir forçadamente dos cristãos a adoração externa dos deuses só a pretexto do culto devido ao imperador.
Privou ao cristianismo e à Igreja de todos os privilégios de que haviam gozado desde Constantino e que, evidentemente, tanto haviam favorecido seu desenvolvimento. Também tratou de debilitar espiritualmente a Igreja, proibindo que nas escolas cristãs se ensinassem o patrimônio cultural do paganismo. Promoveu tudo o que pudera fazer-lhe controlar a Igreja, a seitas cristãs, fosse ao judaísmo ou ao paganismo.
Fixou sua atenção principal em revivificar o paganismo. Seu trabalho foi neste sentido um reconhecimento indireto da superioridade do cristianismo, ao mesmo tempo que demonstra a seriedade moral com que se dedicou a dita tarefa. O que ele perseguia era um paganismo cristianizado. Nos templos pagãos, trouxe sua reabertura, devia oficiar um sacerdote com altas exigências de pureza, piedade, instrução e amor ao próximo; o culto devia restaurar-se com grande pompa e ser mais religioso e moralmente fecundo mediante a pregação, e outro tanto devia cuidar da caridade. A ordem dada por Juliano de reconstruir o templo de Jerusalém e promover o judaísmo em geral foi uma tentativa consciente de reduzir ad absurdum as profecias cristãs. Ele mesmo participava todos os dias no sacrifício pagão e tratou também de ativar seus planos como orador e escritor.
5. O ensaio de Juliano não passou de ser um episódio. Já no ano 363, apenas cumpridos os trinta e dois anos, entrou em guerra contra os persas. Ninguém é capaz de imaginar as imensas dificuldades que acarretaram ao cristianismo as "magníficas qualidades" do Apóstata, como disse Santo Agostinho. Mas sua aparição é sumamente instructiva para conhecer a situação histórica da Igreja naquele tempo. Nos permite em um só golpe de vista descobrir claramente os perigos que sob aquelas condições religioso-culturais cercavam a Igreja.
Inclusive no caso de Juliano, nada nos autoriza a ver nele somente o errôneo e negativo e passar por alto o positivo. Como César das Gálias, levantou novamente esta província com medidas prudentes e justas, e como imperador implantou a austeridade, a justiça e a objetividade na administração e legislação do império. Que apesar destes valores e destas ao menos parcialmente acertadas medidas não logra-se impor seu critério nem sufocar ao cristianismo, demonstra muito melhor a força da Igreja de Cristo que se esta houvera tido que resistir a um novo Nero.
8 No ano 529 foi fechada a escola de filosofia de Atenas, dirigida por pagãos; precisamente no mesmo ano em que se fundou Monte Cassino.
9 Seu fundador foi o alexandrino Ammonio Sacas (+ 242); a doutrina foi sistematizada por seu discípulo Plotino (+ 269), de quem, por sua vez, foi discípulo Porfírios (§ 14). O último representante foi Proclo (+ 485), ao qual, como fonte do chamado São Dionísios Areopagita, exerceu indireta e anonimamente uma enorme influência na formulação teológico medieval da doutrina cristã.