sábado, 20 de agosto de 2011

17. Lutas no Campo da Vida Religiosa nos Séculos II-III. Santidade Pessoal e Objetiva.

17. Lutas no Campo
da Vida Religiosa nos Séculos II-III.
Santidade Pessoal e Objetiva.

1. A cristandade era consciente de ser uma comunidade de santos. Como tal a falava Paulo (Rom 1:7; 1Cor 1:2). Que depois de haver sido uma vez partícipe da graça em Cristo Jesus se manchava com um pecado grave (mortal), era considerado como separado da Igreja para sempre. Motivos de exclusão eram em particular o homicídio, a fornicação e a apostasia.

Estas idéias demonstram que a cristandade primitiva atribuía à comissão de um pecado mortal concreto, a diferença e por em cima do estado constante de pecado do homem, uma gravidade decisiva na história da salvação.

Desde um princípio houve na cristandade e na Igreja algo que logo, no curso posterior da história eclesiástica, haveremos de conhecer uma e outra vez como anomalias ético-religiosas. Os evangelhos nos dão notícia não só da fé e a fidelidade dos apóstolos, senão também de suas falhas, de um certo egoísmo terreno (Mt 19:27), de sua tibieza. Pedro, com suas argumentações nada sobrenaturais, escandaliza o Senhor (Mt 16:22), na amarga hora do horto das oliveiras dorme igual que seus companheiros, logo foge como os demais e nega ao Senhor perjurando várias vezes (Mt 26:40). Na questão vital da liberdade do evangelho ante a lei, apesar da visão que o fortalece (Atos 10:11ss), vacila.

Imediatamente depois da santificação pelo Espírito Santo em Pentecostes, na Igreja primitiva houve hipocrisias e mentiras em questões muito graves (Ananias e Safira, Atos 5:1-11), prejuízos, descontentamento e, nas comunidades, que se iam multiplicando, divisões, defeitos, tibiezas de fé, faltas de caridade e fornicação (em Corinto, donde inclusive depois da estadia de Paulo durante um ano e meio alguns ensinavam que a liberdade cristã permitia tudo).

A eucaristia era vínculo de santificação e de unidade. Mas resultou que em Corinto, e seguramente em outros lugares, precisamente o banquete eucarístico deu ocasião a divisões e faltas de disciplina: os ricos comiam separados e tão abundantemente que aproximavam do limite da destemperança, porém os pobres se sentavam separados e passavam fome (1Cor 11:20-32).
Está, pois, claro que já então nem sempre se guardava o alto nível moral exigido pela doutrina cristã. Isto, por demais, respondia as parábolas do Senhor do joio entre o trigo e dos peixes bons e maus na rede, do convidado às bodas sem traje nupcial, assim como a seu anúncio aos escândalos que haveriam de sobrevir (Mt 13:25ss.47ss; Mt 22:11; Mt 18:7).
Assim, pois, já desde os primeiros tempos na história da Igreja se projetaram duas questões: Pode e deve a Igreja ter em conta a mediocridade religioso-moral dos homens? Sobrevive à vista dos membros indignos a santidade objetiva da Igreja?

Já conhecemos uma ambiciosa tentativa de restringir o círculo dos verdadeiramente capazes de redenção, é dizer, dos redimidos: a gnose, que de raiz valora diversamente aos homens, segundo a parte que neles tem o espírito ou a matéria. Esta concepção, segundo a qual só tem pleno acesso à luz os homens de espírito privilegiado, encerra um tentador pseudo-ideal de perfeição espiritualista. A Igreja não o aprovou. Dentro de sua comunidade todos são capazes da salvação, e da salvação plena. Esta afirmação primeira tem resultado fundamental contra todo espiritualismo (interiorização exagerada) na Igreja.

2. Mas além desta negativa eclesiástica às pretensões dos gnósticos, o herege Montano (depois de 150) chegou ao extremo contrário. Frente às vezes sublimada afirmação do mundo da gnosis, ele exigiu, com exagerado rigor, a completa negação do mundo. Anunciou a próxima vinda do Espírito Santo (Paráclito) e incitou aos cristãos a abandonarem a tudo e a congregarem-se na Frigia, para esperar ali o começo da nova época.

Montano está inserto, e de uma forma muito perigoso, na problemática do primitivo entusiasmo cristão. O Espírito criador havia operado a grande transformação, manifestando-se, por exemplo, nos carismas extraordinários (dom de línguas e de profecia, discernimento de espírito, 1Cor 12:8ss). Mas havia resultado que as assembléias de oração dos cristãos se haviam convertido em alguns lugares em um caos desordenado, nada edificante, no que alguns falavam como, quando e o que os parecia. Paulo, em parte, as havia tentado orientar prudentemente e em parte censurado (l.c.). Pois os carismas estão ordenados hierarquicamente, segundo o beneficio espiritual que portam à Igreja. Por isso, para o dom de línguas também deve haver um intérprete. Do contrário, é melhor calar, que é o que se os impôs às mulheres em geral (1Cor 14:34). Fora das comunidades ortodoxas, em círculos sectários, o perigo era todavia maior. Montano e seu movimento são a este respeito uma nova prova do difícil que era manter o equilíbrio entre a espera entusiasta da nova vinda do Senhor e uma razoável e sóbria afirmação da vida e seus deveres na família, a profissão e o Estado.

A nova profecia de Montano podia dar testemunho de fé e entrega espiritual. O eco que falou no século II nos põe de manifesto com que intensidade teve e encheu a cristandade primitiva com a esperança da nova vinda do Senhor. A forte pressão que esta espera exerceu na cristandade primitiva a volvemos a sentir mais tarde na desilusão, no vazio de consciência e inclusive no desespero que o descumprimento da parusía provocou em muitos. A esperança dizia: "o Senhor está próximo" (Flm 4:5), que também era a frase de saudação dos primeiros cristãos. A desilusão, ao ver que não chegava a parusía, está consignada na segunda carta de Pedro (3:3s; cf. a preocupação pela sorte dos já falecidos: 1 Tess 4:13-18).

3. E, não obstante, esta desilusão e desespero não era senão uma má inteligência da revelação: com farta frequência se havía pretendido de Cristo a confirmação dos próprios desejos e idéias, sem tomar propriamente em conta as outras afirmações da pregação dos apóstolos ou da Escritura. Mas si se escuta pontualmente a mensagem, se comprova que a primitiva escatologia cristã era "não só espera do futuro.".. como tão pouco só fé no presente já cumprido: são ambas as coisas.

Esta tensão entre o "agora" e o "em um tempo" não é uma solução ulterior do cristianismo já convertido em "catolicismo," "senão que caracteriza essencialmente e desde o princípio a situação da nova aliança" (Oscar Cullmann). A pregação de Jesus afirma que o tempo se tem cumprido, mas todavia não em plenitude: tem aparecido a palavra, mas todavia tem que rezar para que chegue ao reino. Esta tensão entre presente e futuro se dá já no Novo Testamento: que não chegue a parusía não quita a razão à pregação apostólica, senão aos que a interpretam arbitrariamente.

Neste sentido, a esperança da parusía é uma peça central da mensagem cristã, como também Deus, no curso da história da Igreja, tem suscitado sem cessar, pregadores capacitados com o dom de profecía, desta parusía. Mas as irregularidades e incontroladas explosões de entusiasmo pregadas por Montano (que não respeitavam nem a ordem da vida social) permitiram reconhecer o caminho equivocado. A aceitação de sua profecia haveria significado o abandono do mundo por parte dos cristãos. A Igreja haveria renunciado à evangelização da humanidade e ao futuro.

Montano encarna a tentativa de negar a evolução histórica do reino de Deus na terra e levá-lo de volta ao estado de sua primeira infância. O movimento iniciado pelo primeiro movimento fanático da Igreja. De havê-lo seguido, se haveria chegado não à Igreja universal, senão a uma igreja de conventículos (reunião clandestina que so planeja o mal), e desatado o entusiasmo religioso de uns quantos fanáticos. O montanismo fez entrar na ação a numerosos defensores da recta doutrina, e até ao mesmo sacerdote romano Gayo (por volta do ano 200).

A Igreja rejeitou este ideal por unilateralidade. Também nesta ocasião se pronunciou pela solução do justo meio, evitando os extremos: perfeição cristã-religiosa, junto com a ascética e aberta ao mundo, mas não perdida no mundo.

4. Em seu estilo rude e rigorista, o norte-africano Tertuliano 51, mencionou já repetidas vezes, que era uma alma gemea de Montano. Entre ele, cabeça significadíssima da Igreja de então, e seu chefe espiritual, Calixto (217-222), bispo de Roma, houve um choque; Calixto demostrou maior visão da necessidade da missão universal, fazendo possível — o que Tertuliano não queria permitir — o retorno dos fornicadores à Igreja com ao qual tiveram verdadeiro arrependimento e cumpriram a penitência prescrita.

Esta luta entre rigorismo e visão pastoral se reavivou mais adiante no mesmo século III, quando trouxe um longo período de paz à violenta persseguição de Décio provocou tantos lapsi. Acabada a perseguição, muitos ansiavam serem admitidos novamente na Igreja. O papa Cornélio (251-253), sucessor do papa Fabiano (236-250), que morreu mártir, o bispo Cipriano de Cartago 52, o bispo Dionísios de Alexandria e um sínodo africano (251) tiveram consideração com as debilidades dos lapsi. Sem embargo, Novaciano, até então chefe do colegio de presbíteros de Roma, se sublevou como antipapa e cabeça dos "puros" (251). E criou uma Igreja que tratou de impor o rigorismo primitivo na Itália, Galia e no Oriente.

5. Estas múltiplas controvérsias, faz tempo extinguidas, têm grande importância. Em uma ou outra forma voltam a aparecer repetidamente na história da Igreja; a pouco nos encontraremos com a fórmula: "volta à primitiva Igreja, à vida apostólica," uma exigência que sempre, ainda que com diversas formas e tendências, alude à santidade primeira da Igreja. Mas quando tem pretendido excluir o crescimento orgânico da Igreja sob a tutela do Espírito Santo, quando (efectivamente) se tem negado o carácter histórico da instituição de Jesus, quando esta exigência, a par de fazer a constatação do pecado e da culpa, não que tenha caído aberta a um positivo desenvolver, quando, enfim, a unilateralidade rigorista não tem permitido reconhecer que o Verbo verdadeiramente se tem encarnado na história, em todos os casos tem sofrido diminuição na integridade da fé da Igreja.

6. Através da evolução que acabamos de descrever torna-se clara uma coisa: a Igreja é santa, ainda que seus membros não o sejam.

O mesmo problema se planteou com a questão do batismo dos hereges. Quando os hereges, ou seja, cristãos que estão fora da Igreja, conferiam o batismo, era válido o sacramento? O bispo Cipriano e três sínodos africanos o negavam. Aos bispos africanos os parecia que aqui, precisamente, se atacava a essência da Igreja. Suas declarações foram consiquentemente muito duras. Não somente declararam inválido o batismo conferido por um herege; mas chegaram a afirmar que isso não era uma mediação de vida, senão de morte.

Novamente foi o bispo romano Cornélio que demonstrou uma compreensão mais profunda do evangelho e interveio em favor da santidade objetiva da Igreja: o batismo bem administrado é válido, ainda que o confira um leigo, não pode ser repetido. Isto significava que o efeito do sacramento é independente da santidade pessoal de quem o administra (opus operatum). Graças a esta decisão caiu e cai garantida a plena e exclusiva autoridade e poder de Cristo na Igreja, cujos bispos e sacerdotes não são mais que instrumentos a seu serviço. Os montanistas e donatistas, sem embargo, com seu espiritualismo exagerado, correram o perigo de autonomizar a autoridade do sacerdote (uma conexão ideal com o pelagianismo, § 29).

A luta se intensificou de novo com a consequência das muitas apostasias durante a perseguição de Diocleciano. E esta foi levada a cabo uma vez mais por Santo Agustinho contra os donatistas. Quão profundo seja o alcance deste problema teológico, voltaremos a ve-lo mais tarde com a ocasião do grande movimento reformista gregoriano (§ 48), ao que desempenha um importante papel na recusa dos sacramentos administrados "não santamente" (inclusive a ordenação de sacerdotes).

51 Tertuliano, e em parte pela frequente reimpressão de suas obras de pregação, é corresponsável de certas opiniões rigoristas da pastoral católica até o século XX, às quais geralmente se baseiam em uma confusão parcial entre religião e moral (Hunius). Em troca, Tomás de Aquino sempre cita a Tertuliano como haereticus.

52 Cipriano superou aqui, no campo da moral, a tendência rigorista que havia assumido na controvérsia sobre o batismo dos hereges.

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Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com