domingo, 17 de julho de 2011

Os Cânones Sagrados na Vida da Igreja.

Os Cânones Sagrados
na Vida da Igreja.

"Condições para a interpretação
dos Cânones sagrados"

Vlasios Io. Feidas, Catedrático da Universidade.

Tradução Presbítero Pedro

Os cânones sagrados constituem fontes fundamentais do Direito Canônico, pois proporcionam o testemunho mais autêntico tanto dos assuntos eclesiásticos que tem surgido através dos tempos como também do modo em que a Igreja tem feito frente aos mesmos. Sem embargo a valoração dos cânones como fontes do Direito Canônico pressupõe uma posição objetiva quanto à natureza humana e divina da Igreja e quanto ao caráter espiritual peculiar e à finalidade histórica concreta daqueles. É a dizer, procede distinguir suas condições históricas e seu conteúdo histórico material da consciência da Igreja expressada através dos mesmos para fazer frente aos assuntos que surjam em cada ocasião, à causa de evidentes mal entendidos do conteúdo da revelação em Cristo. Esta distinção é sumamente árdua, pois nos cânones a consciência da Igreja se expressa em uma conexão histórica e morfológica para a questão concreta ao que se enfrenta e para as condições vigentes em cada época. É compreensível que unicamente mediante um estudo histórico-canônico objetivo baseado no método histórico-genético é possível a distinção entre o conteúdo histórico dos cânones e a consciência da Igreja expressada através dos mesmos. No obstante para alcançar dito objetivo convém levar a cabo sua valoração particular frente às outras fontes da história da Igreja e ter em conta certas condições eclesiológicas básicas, sem as quais a correta interpretação dos cânones resulta impossível.

Do anterior resulta evidente que toda a tradição canônica da Igreja deve ser valorada mediante uma correta interpretação de cada grupo concreto de cânones, aos quais foram estabelecidos pelos Sínodos Ecumênicos ou Locais ou também como resultantes da autoridade dos distinguidos Pais da Igreja. Sem embargo a correta interpretação pressupõe também a recondução de cada cânon ou grupo de cânones do mesmo tipo à totalidade da experiência sacramental e espiritual global da Igreja, à qual se refere o conteúdo completo da tradição canônica. Sem dito esforço hermenêutico prévio, então os contrastes aparentes dos cânones se multiplicariam segundo os critérios objetivos ou motivos de turno dos canonistas, enquanto que o desuso oportuno ou inoportunamente alegado de certos cânones se ampliaria com o passar do tempo. Efetivamente, muitas vezes a letra dos cânones se põe por cima de seu espírito e cada cânon se valora isolado da tradição canônica global, é dizer independentemente do conteúdo da revelação em Cristo e da essência do sacramento da Igreja. Resulta pois evidente que a hermenêutica dos cânones deve ter sempre presentes certos princípios eclesiológicos e histórico-canônicos peculiares, sem os quais a interpretação inclusive dos cânones por separado corre o risco de resultar uma valoração parcial ou equivocada do espírito ou da vontade dos mesmos:
Primeiro, na interpretação e na valoração dos cânones se pressupõe, por suposto, a suficiente formação teológica e a opinião eclesiástica sã do estudioso. Em caso contrário resulta impossível uma correta aproximação aos textos canônicos, aos quais não constituem certamente só um simples objeto de estudo árido e horizontal. É compreensível que na interpretação de um cânon se persiga na medida do possível a abstração da subjetividade dos pressupostos e das intenções do estudioso, pois a posição a priori contraria ao cânon pode conduzir a conclusões errôneas. As premissas e as finalidades dos cânones tem sido já postas pela Igreja, de modo que é limitada a possibilidade de interpretação subjetiva por parte do estudioso. A qual significa que quem se dedique ao estudo dos cânones deve iniciar-se com anterioridade no espírito em geral da tradição canônica e respeitar todas as condições eclesiológicas e eclesiásticas imprescindíveis para sua interpretação.

Segundo, na interpretação dos cânones se deve ter em conta muito seriamente que estes não formam uma parte distinta, independente e auto suficiente das fontes da revelação, senão que estão incluídas orgânicamente na Tradição sagrada global da Igreja. Interpretam as Sagradas Escrituras e só são interpretados através destas e de sua referência à Tradição sagrada global da Igreja. Isto deve considerar-se como uma condição sem a qual não para a correta interpretação dos cânones, dado que toda a constituição de seu conteúdo por razão de matéria se baseia direta ou indiretamente nas Sagradas Escrituras e na Tradição sagrada. O fato pois que na formulação de qualquer disposição canônica se ponha como condição necessária à referência à totalidade do conteúdo da revelação em Cristo, do modo em que desta é depositária a Igreja e a vive continuamente, faz que ela não respeita a esta condição durante a interpretação dos cânones constitua uma inconsequência inaceitável e uma omissão perigosa. As consequências de tal omissão são muito graves não só para a correta valoração do espírito dos cânones, senão também para a plenitude do método hermenêutico seguido na interpretação, já que cortar os cânones do conteúdo da revelação em Cristo elimina de fato as condições objetivas histórico-filológicas de descoberta do espírito que rege os mesmos. A eventual separação da forma histórica dos cânones do conteúdo subjetivo genuíno da revelação em Cristo se identifica com a eliminação dos fundamentos de toda a tradição canônica e com sua descomposição em formas históricas parciais indiferentes para a história da salvação, as quais deixam de estarem relacionadas com a natureza ou com a finalidade da Igreja.

Terceiro, para a correta compreensão ou interpretação dos cânones se deve produzir uma clara distinção a priori entre a envoltura histórica e o espírito da tradição canônica que de algum modo se inclui neles. A interpretação dos cânones não se pode assumir com o significado de um empirismo jurídico autônomo, é dizer, com o significado de uma investigação única da formulação que se expressa ou da finalidade concreta perseguida. Ao contrário, então existe realmente o perigo ou de uma totalização da letra da tradição canônica ou da limitação de seu espírito a uma composição aditiva dos supostos especiais referidos expressamente, nos quais a Igreja aplicou na prática a plenitude da verdade da fé vivida por ela. Não obstante a eventual totalização do material histórico da tradição canônica significaria ao mesmo tempo também a utilização da parte para a substituição do todo da experiência espiritual, a qual constitui a "lei" empírica suprema da igreja. Por conseguinte, a correta interpretação dos cânones pressupõe necessariamente por uma parte o restabelecimento da autêntica relação vertical do espírito dos mesmos pelo conteúdo da revelação em Cristo, e por outra parte a incorporação horizontal natural e objetiva de sua envoltura histórica na experiência eclesiástica de cada época.

Quarto, a interpretação dos cânones deve realizar-se baseando-se em todos os princípios científicos modernos estabelecidos da hermenêutica. Não é suficiente portanto uma simples interpretação literal, senão que se devem encontrar uma sequente investigação laboriosa todas as causas históricas e a finalidade concreta dos cânones concretos, as particulares tendências canônicas durante a época em questão, a situação eclesiástica geral, a importância dos assuntos aos que se referem aos cânones, sua relação com problemas eclesiásticos paralelos, a terminologia utilizada na época em questão, a autoridade dos órgãos eclesiásticos que decretaram os cânones, o procedimento seguido, as discussões que se levaram a cabo durante o mesmo, os fundamentos eclesiásticos esgrimidos durante o estabelecimento dos cânones etc... Unicamente depois de um estudo responsável e exaustivo similar das condições eclesiológicas e histórico-canônicas do texto dos cânones, para restabelecer o autêntico texto, para delimitar-se de modo exato o significado canônico dos termos utilizados, para esclarecer-se a finalidade específica do estabelecimento de cada cânon e interpretar por conseguinte sua autêntica vontade.

Quinto, na interpretação dos cânones devem evitar-se os habituais paralelismos analógicos errôneos, esquivar as correlações subjetivas ou inoportunas, fugir de quantas imprecisões favoreçam falsas interpretações, esclarecer-se ou corrigir-se qualquer tipo de indeterminação de termo ou formulação, assinalar-se as eventuais falsificações intencionadas no passado do texto, acolher todas as interpretações errôneas propostas e examinar-se todas as possibilidades de correta interpretação do texto. Na interpretação deve determinar-se claramente que disse e que não disse na realidade o cânon sobre a época em que foi estabelecido, encontrar a peculiaridade ou a novidade e constatar seu acordo ou sua evolução em comparação com textos canônicos análogos ou similares anteriores ou contemporâneos ao mesmo. Finalmente, o espírito e a vontade de cada cânon deve formular-se positivamente e não mediante uma interpretação estrita ou literal do mesmo, já que só deste modo se facilita a correta recondução do espírito do cânon ao conteúdo total da revelação em Cristo.

Sexto, a multiformidade de expressões da tradição canônica que habitualmente se constata durante a interpretação dos cânones não deve ser fonte de problemas para o investigador, pois cada cânon concreto não constitui tampouco a única aplicação autêntica do conteúdo da revelação em Cristo na vida histórica da Igreja. É portanto possível que existam muitas fórmulas canônicas paralelas referentes ao mesmo assunto ou a assuntos similares, aos quais sem embargo não danam a autenticidade da aplicação histórica dada ao cânon concreto. Os cânones não excluem uma multiformidade histórica da autêntica expressão da mensagem da salvação em Cristo, enquanto que excluem contrastes substanciais nesta multiformidade. A multiformidade sem contrastes substanciais é habitual na tradição canônica.

Sétimo, na interpretação dos cânones, e sobre tudo dos da mesma classe, se deve distinguir claramente aqueles cânones, que condenam alguma infração canônica durante sua perpetração (heresia, cisma, seita, reunião secreta, doutrina moral equivocada), daqueles outros aos quais têm como objetivo a definição dos assuntos canônicos para o regresso dos arrependidos ao seio da Igreja. Aos primeiros geralmente se aplicam a exatidão canônica, embora geralmente imponham penas mais severas contra os que atentam à unidade da Igreja. Não obstante, aos arrependidos se aplica sempre a ação eclesiástica tanto para o fortalecimento da unidade, como para a salvação dos arrependidos através dos meios de santificação da Igreja. Neste sentido, a exatidão canônica expressa a natureza absoluta e a essência do mistério da Igreja, e a obra eclesiástica constitui uma aplicação pastoral especial do mistério da Igreja em cada um dos supostos.
Oitavo, a correta recondução dos cânones em parte similares ou afins a seu conjunto orgânico implica, em última análise, sua referência à experiência sacramental global da Igreja, pois segundo a tradição ortodoxa "a Igreja se revela nos sacramentos" (St. Nicolau Kavasilas). Neste sentido, poderia sustentar-se firmemente que quantos cânones se referem p.ex. à organização administrativa da Igreja tanto local como universal decorrentes do sacramento do sacerdócio, por ele todos se referem à possessão canônica, ao exercício ou a perca da autoridade sacerdotal dos bispos, presbíteros e diáconos, também funcionam tendo como ex. o sacramento da Divina Eucaristia, na qual se resume toda a experiência sacramental e se revela o mistério completo da Igreja.

Nono, na realidade o Direito Administrativo da Igreja fixa a distribuição canônica durante as épocas do direito das ordenações e do juízo dos bispos, como também a função do resto dos clérigos, os monges e os leigos, de modo que se afirma continuamente a unidade do corpo eclesiástico na Divina Eucaristia e em toda a experiência sacramental da Igreja. No mesmo marco funciona também o Direito Penal da Igreja, a qual, através da grande variedade das penas espirituais, determina simplesmente a relação canônica dos bispos, do resto dos clérigos, os monges e os leigos para a Divina Eucaristia e toda a experiência sacramental da Igreja. O que os cânones administrativos e penais estão centrados na Eucaristia faz necessária a recondução hermenêutica tanto do conteúdo como da terminologia ambígua (ordenação, excomunhão, comunhão) dos relativos cânones aos seus ditos princípios fundamentais de sua existência e seu funcionamento. Deste modo se evitam não só as distinções errôneas habituais na doutrina jurídica acerca do caráter dos cânones (administrativos, dogmáticos), senão também as interpretações arbitrárias ou impróprias dos termos canônicos ambíguos, como p.ex. dos termos ordenação (eleger — celebrar ordenação), excomunhão (excomunhão maior ou menor), entredito (penitência — pena) etc. Com este método hermenêutico de recondução aos princípios fundamentais cai a salvo a autêntica vontade de cada cânon concreto não só segundo sua formulação histórica senão também em sua referência espiritual a todo o funcionamento do corpo eclesiástico.

A interpretação dos cânones portanto só se logrará se, observados os supracitados princípios hermenêuticos, resulta possível dar a mensagem completa à terminologia e língua contemporâneas. Isto é uma tarefa árdua e habitualmente insegura, pois não existem sempre questões razoáveis tanto acerca da autêntica relação entre cânon e interpretação como acerca da completa identidade do espírito de ambos. Sem embargo a fidelidade do espírito da interpretação faz o autêntico espírito dos cânones e precisamente também a petição de qualquer nova formulação canônica. Certamente, a fixação na forma histórica ou na agrupação por matérias dos cânones é um pressuposto necessário, mas não um elemento necessário da interpretação, ainda que na interpretação haja que buscar a autêntica analogia de todos os dados históricos contemporâneos aos cânones, respeito dos quais estava vigente o espírito e o conteúdo destes.

Sem embargo, a dificuldade objetiva por uma parte para assegurar a completa identidade entre o espírito do cânon e o espírito de sua interpretação, e por outra parte para preservar a autenticidade do espírito em troca da letra explica a atitude estrita da Igreja Ortodoxa frente aos cânones, a qual, sem dar certamente carácter absoluto ao seu teor literal histórico, os considera autênticos e portadores certos de seu espírito subjetivo. Assim, se conserva intacta com uma sensibilidade característica a autêntica conjunção histórica de letra e espírito, não só para manter sem adulterar através dos mesmos a mensagem da revelação em Cristo, senão também para fundamentar sua nova aplicação autêntica em cada época e em formas históricas familiares aos fiéis. O respeito da Ortodoxia a conjunção histórica da letra e o espírito dos cânones deve se interpretar certamente não como uma doentia síndrome tradicionalista de sua evolução histórica, senão principalmente como uma sã sensibilidade incontestável para a salvaguarda de sua fonte fidedigna e de seu dinamismo renovador em todas as épocas da história da Igreja.

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Sacerdote ortodoxo e busco interessados na Santa Fé, sem comprometimentos com as heresias colocadas por aqueles que não a compreendem perfeitamente ou o fazem com má intenção. Sou um sacerdote membro da Genuina Igreja Ortodoxa da Grecia, buscamos guardar a Santa Tradição e os Santos Canones inclusive dos Santos Concílios que anatematizam a mudança de calendário e aqueles que os seguem, como o Concílio de Nicéia que define o Menaion e o Pascalion e os Concílios Pan Ortodoxos de 1583, 1587, 1593 e 1848. Conheça a Santa Igreja neste humilde blog, mas rico no conteúdo do Magistério da Santa Igreja. "bem-aventurado sois quando vos insultarem e perseguirem e mentindo disserem todo gênero de calúnias contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos pois será grande a vossa recompensa no Reino dos Céus." "Pregue a Verdade quer agrade quer desagrade. Se busca agradar a Deus és servo de Deus, mas se buscas agradar aos homens és servo dos homens." S. Paulo. padrepedroelucia@gmail.com